1.
Celebrara-se há poucos dias a chegada de 2008. A UNICEF não quis perder o balanço e pensou numa campanha para que os mais pobres não desmobilizassem de um mundo onde fosse possível sonhar.
Parceiros do Barcelona propuseram que o seu jovem mais mediático pudesse dar banho a um bebé do bairro mais miserável da Catalunha, um bebé que tivesse nascido em Espanha, mas que fosse filho de emigrantes, um bebé se possível negro para que se pensasse sobre o racismo.
2.
O diretor de comunicação do Barcelona aceitou o desafio e convenceu o jovem prodígio Lionel Messi a entrar na campanha.
A UNICEF, em colaboração com o jornal desportivo catalão que publicou o calendário, escolheu um bairro de Mataró, lugar que todos os catalães associam à exclusão e à miséria, o lugar de onde raramente se sai quando se entra, o lugar onde descobriram um bebé simpático de seis meses, gordo, calmo e filho de um marroquino e de uma jovem da Guiné-Equatorial.
A sessão foi feita e recordámo-la por estes dias.
Messi a dar banho ao pachorrento bebé que nascera no lugar mais desesperançado do mundo.
3.
A história é esta.
O bebé gordo começou a jogar à bola na rua quando ainda mal sabia andar. Aos seis anos já vestia a camisola das escolinhas do Barcelona, mas em casa não era fácil, havia pouco ou nada e os pais tinham resolvido seguir a vida sozinhos.
A estrada tornara-se ainda mais estreita.
4.
Sim, conheces a história.
Lamine Yamal, a nova grande estrela do futebol mundial, o prodígio mais prematuro da história da bola depois de Pelé, era mesmo o bebé gordo que aos seis meses foi lavado por Lionel Messi em La Masia.
É ele.
O bebé escolhido entre todos os que não pareciam ter futuro. O que cresceu nas ruas onde se traficava droga e gente se perdia todas as semanas, o que passou mal sem nunca parecer que tinha problemas, sempre a sorrir desde que tivesse uma bola, sempre com um poster de Messi dentro do caderno da escola.
O menino que se estreou pela equipa principal do Barcelona com 15 anos.
Que se estreou pela seleção principal espanhola com 16.
Que festeja os golos fazendo com os dedos o número 304, código postal da calle mais perigosa da Catalunha, onde vivem os perdidos e renegados.
Qual era a probabilidade de isto acontecer?
O Papa Francisco saberá certamente a resposta. Deus gosta de futebol e tem sentido de humor.
Muito sentido de humor.
Texto e programa de Luís Osório
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