Passam esta semana 40 anos sobre um dos últimos grandes concertos de José Afonso. Foi a 23 de janeiro de 1983, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, memória que ficou fixada tanto no disco ao vivo que nasceria depois da gravação desse momento como nas imagens então registadas pela RTP, que mais tarde deram origem a uma edição em DVD (em 2010).
O concerto tem lugar no intervalo de tempo no qual José Afonso gravou Como Se Fora Seu Filho, o último disco no qual participou ativamente durante todo o processo (no seguinte, Galinhas do Mato, seu último registo de estúdio, a sua voz já só surge em duas canções, sendo o disco concluído por uma série de amigos). A doença, que seria a causa da sua morte (em 1987) já era do conhecimento público e os sinais já evidentes. Mas, como evoca Viriato Teles num texto que podemos ler no site da Associação José Afonso, o músico era alguém “disposto a resistir”.
Naquela noite José Afonso encontrou uma casa cheia. Comoveu-se ao som de Saudades de Coimbra, arrepiou todos os que ali estavam na Balada do Outono, sobretudo quando a sua voz passou pelo verso que diz “que eu não volto a cantar”. Na verdade ainda cantaria em público, com derradeira atuação a 25 de maio desse mesmo ano, no Coliseu do Porto, no dia seguinte rumando a Coimbra para uma homenagem à qual não faltou uma multidão de admiradores. Mas, pelo poder da memória gravada e depois guardada num disco originalmente lançado pela Sassetti ainda nesse mesmo ano (mais tarde com nova versão, e já com alinhamento integral, editada pela Strauss em 1991), a atuação no Coliseu dos Recreios alcançou o estatuto de momento histórico.
O concerto sugeria um arco de memórias que cruzavam todo o seu percurso. Recuava aos dias e autores diretamente ligados a Coimbra com a Balada do Mondego ou as Saudades de Coimbra. Recordava incursões pela música tradicional com a Senhora do Almortão ou Milho Verde. Cedia protagonismo ao som de Dor na Planície, instrumental de Octávio Sérgio. E depois, desde Os Vampiros, Canção de Embalar ou a Balada do Outono, até canções como A Morte Saiu à Rua, No Comboio Descendente, O Que Faz Falta, Natal dos Simples ou Venham Mais Cinco, passando ainda por Um homem novo veio da mata (do álbum Enquanto Há Força, de 1978) e avançando até Utopia e Papuça (que surgiram no disco de 1983, a segunda todavia apresentada já na peça Fernão, Mentes?, que o grupo de teatro A Barraca havia estreado em 1981), ouvia-se um alinhamento que fixava ali, interpretados e gravados ao vivo, clássicos maiores de um cancioneiro de sua autoria que tinha transformado os rumos da canção popular entre nós. Sob ecos de uma memória histórica vivida naquela mesma sala pouco antes da revolução, Grândola, Vila Morena fechou a noite, cantada por toda a sala.
Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé partilharam o palco com José Afonso naquela noite. E agora, ao longo desta semana, a Antena 1 vai escutar o testemunho de alguns destes músicos, assim como às suas palavras juntar as canções que se ouviram no Coliseu.
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