Terceira parte de um conjunto de olhares sobre telediscos. Em foco estão realizadores que também têm criado uma obra para cinema: Jonathan Glazer, Spike Jonze, Anton Corbijn, David Fincher, Mark Romanek e Michel Gondry.
Blur / The Universal
1995
Não são raros os episódios em que os telediscos dos Blur se cruzaram com a cinéfila. De “To The End” que evoca “O Último Ano em Marienbad” ao trabalho ao lado de Thomas Vinterberg em “No Distance Left To Run” são vários os exemplos, entre os quais consta também este “The Universal”. Criado em 1995 este teledisco inclui um espaço que recria o Korowa Milk Bar da “Laranja Mecânica” de Kubrick e traduz uma entre as várias experiências na música de Jonathan Glazer, autor de filmes como “Birth – O Mistério” (2004), “Debaixo da Pele” (2013) ou o novo “The Zone of Interest”, exibido na edição de 2023 do Festival de Cannes.
David Sylvian / Red Guitar
1984
O trabalho de fotógrafos no mundo dos telediscos frequentemente valoriza as linhas mestras das obras de quem assina tanto as fotos como os vídeos. O holandês Anton Corbijn, sobretudo num dos seus primeiros telediscos, criou quase a ideia de uma série de fotografias com movimento. Assim nasceu “Red Guitar”, de David Sylvian, criado como uma homenagem ao fotógrafo Angus McBean que, de resto, surge no próprio teledisco. Depois da fotografia e do vídeo o realizador visitou já por várias vezes o cinema, seja na ficção (como é o caso de “Control”, biopic sobre os Joy Division) ou o documentário (de que é exemplo o recente “Squaring The Circle”.
Eels / Novocaine For The Soul
1996
Na hora de apresentar um novo projeto, ao qual chamou Eees, o norte-americano Mark Oliver Everett (que gosta de se apresentar simplesmente como “E”) recorreu ao realizador Mark Romanek para criar as imagens que poderiam dar maior amplitude à comunicação do single que serviria de apresentação ao álbum de estreia “Beautiful Freak”. Colocando os músicos em estado de levitação, o reconhecido autor de telediscos para nomes como Madonna, Johnny Cash ou Nine Inch Nails juntou mais um momento a uma obra que ocasionalmente visitou já o cinema, entre os seus filmes contando-se “Câmara Indiscreta” (2002), protagonizado por Robin Williams.
BJÖRK / It’s Oh So Quiet
1995
A história dos telediscos é também, à sua maneira, uma saga de memórias cinéfilas. Assim acontece neste tema de Björk (do álbum “Post”), e tanto mais quanto se trata da recriação de uma canção gravada por Betty Hutton em 1951 (que era já uma versão de um original alemão de 1948). Autor de fábulas existenciais como “Queres Ser John Malkovich?” (1999), Spike Jonze filma Björk em tom feérico de filme musical, aliás citando duas referências emblemáticas: a loja de música de “As Donzelas de Rochefort” (1967), de Jacques Demy, e, no final, um movimento de câmara que evoca o quadro “Broadway Melody” do clássico “Serenata à Chuva” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly.
Madonna / Bad Girl
1993
A relação de Madonna com David Fincher define um pequeno mundo à parte que inclui o emblemático “Express Yourself” (1989). Depois do seu filme de estreia, “Alien 3” (1992), e antes de “Seven” (1995), Fincher dirigiu este genial “Bad Girl” (do álbum “Erotica”, 1992): um pequeno conto moral — sobre a solidão radical de uma mulher (“I don’t wanna feel blue…”) — transfigura-se num verdadeiro filme que chega ao ponto de “corrigir” a matéria musical através de alguns segundos de silêncio, puramente dramático, que não fazem parte da canção. No final, como sempre, Madonna é uma figura dúplice: entre a morte da sua personagem e a companhia de um anjo da guarda, interpretado por Christopher Walken.
The Rolling Stones / Like a Rolling Stone
1995
Como Mick Jagger disse na altura, alguma vez os Stones teriam de gravar o clássico de Bob Dylan… Aconteceu no álbum “Stripped” (1995), dando origem a um magnífico teledisco assinado por Michel Gondry. Com uma vasta videografia associada a nomes como Björk, Beck ou The White Stripes, o realizador de “O Despertar da Mente” (2004) sempre gostou de desafiar a estabilidade das imagens. Neste caso, para seguir uma jovem à deriva em ambientes de ambígua euforia, Gondry ensaia formas de manipulação que, de modo inesperado e envolvente, tendem por vezes para a quietude da fotografia — é também um “tour de force” para a intérprete principal, Patricia Arquette.