O legado de Amy Winehouse (1983-2011) é, antes do mais, um legado de canções. Eis uma verdade de La Palice que, ainda assim, importa sublinhar perante a descoberta do belo filme “Back to Black”, realizado por Sam Taylor-Johnson. De facto, a realizadora inglesa, também autora de uma sugestiva evocação da juventude de John Lennon (“Nowhere Boy/Para Lá da Música”, 2009), soube contornar os lugares-comuns de algumas biografias de personalidades da música, dando-nos a ouvir as canções como elementos essenciais, pela poesia e pelas emoções, de uma dramátca trajectória de vida.
Reencontramos, assim, temas emblemáticos como “Fuck Me Pumps”, “Rehab” ou aquele que dá o título ao filme [veja-se o respectivo video aqui em baixo], sentindo as suas íntimas relações com as muitas atribulações da existência de Amy Winehouse, incluindo a forte dependência do álcool que lhe viria a ser fatal. Sem esquecer que tudo isso passa pela admirável composição de Amy por Marisa Abela.
O filme de Sam Taylor-Johnson é, também ele, sintoma de um outro legado que, ao longo das décadas, tem pontuado a produção cinematográfica das mais variadas origens. De facto, podemos encontrar “biografias de músicos” em contextos muito diversos. Lembremos apenas tal diversidade através de exemplos como “A História de Glenn Miller” (1954), com assinatura de um especialista em “westerns”, Anthony Mann; “La Vie en Rose” (2007), de Olivier Dahan, que valeu um Oscar a Marion Cotillard pela sua composição de Edith Piaf; ou ainda, mais recentemente, “Judy” (2019), de Rupert Goold, sobre Judy Garland, com a também “oscarizada” Renée Zellweger.
A estes exemplos mais ou menos realistas, inspirados de forma directa nas personagens que retratam, valerá a pena acrescentar alguns dos que propõe derivações assumidamente anti-naturalistas. Será o caso de “Last Days” (2005), de Gus Van Sant, inspirado em Kurt Cobain, ou “I’m Not There” (2007), em que Todd Haynes faz o retrato de Bob Dylan, “fragmentando-o” por sete personagens distintas, uma delas interpretada por Cate Blanchett.
Enfim, os nomes da música continuam a suscitar muitas “recriações” cinematográficas. Os projectos em marcha assim o confirmam. Assim, neste momento, Timothée Chalamet trabalha também na representação de Bob Dylan, em “A Complete Unknown”, sob a direcção de James Mangold, ele que já dirigiu um filme sobre Johnny Cash (“Walk the Line”, 2005); entretanto, Pablo Larraín tem estado a rodar “Maria”, sobre os dias finais de Maria Callas, com Angelina Jolie no papel central. Serão hipóteses de novas cumplicidades do cinema com as canções e os cantores.