1.
Quando as casas ficam sozinhas envelhecem ainda mais depressa do que nós.
Deve acontecer alguma coisa na nossa ausência, aposto que há animais invisíveis que aparecem e se multiplicam ou então existem espíritos de outras vidas ou seres mágicos que sabem quando a casa fica a uso.
Não sei a razão, mas não me estou a referir ao pó acumulado ou a ninhos de moscas ou carreiros de formigas, falo de um envelhecimento das paredes, do enrugar dos tetos, das frinchas abertas, de uma doença que alastrou pelos espaços que antes habitávamos.
2.
A solidão das casas parece-se com a nossa quando estamos desabitados.
E tudo o resto também.
As casas também mudam aos nossos olhos. Acompanham o que somos, as pessoas que conhecemos, a solidão que matamos, as ideias que temos, os ódios e ressentimentos, o bom e mau, o inferno e o paraíso.
A casa é um espelho que nos reflete bem melhor do que o espelho da casa de banho.
As casas são caprichosas e gostam de crianças. Iluminam-se com os seus gritinhos ou quando dobram o riso. E ficam desasadas quando elas não estão, tal como nós.
3.
Ah, não me esqueço do que estás a pensar.
Quando estamos apaixonados a casa acompanha-nos nessa voragem.
Ou quando amamos ou nos apaziguamos.
Ou quando alguém nos morre de muito querido ou próximo e temos de lá ir para saber o que queremos levar. Pode estar tudo impecável, mas a ausência de quem nunca mais veremos transforma a casa num sepulcro, um velório sem corpo.
4.
As casas transformam-se mesmo quando não mudas a mobília.
Os sofás, as mesas, as estantes, as camas, os quadros só existem em função das nossas histórias e memórias, dos papões da infância, dos medos inconfessáveis, dos primeiros beijos, da primeira vez que nos despimos com alguém.
E se estás sozinho agora e vês a tua casa a envelhecer todos os dias mais um bocadinho, faz o que tens a fazer.
Sabes, a vida é como arrumar a casa, limpar o pó, tornar agradável o lugar em que vivemos.
É isso que te quero dizer.
Levanta-te e arruma a casa que tens em ti.
Torna confortável o vazio, torna-o habitável.
E senta-te.
Tranquilo ou tranquila.
Abre a janela para o mundo, lê o que não leste, vê o que não viste, ouve o que não ouviste.
E verás que todos os dias a tua casa ficará mais sorridente, luminosa e jovem.
Porque as casas são um milagre… se tu o quiseres ser.
Texto e programa de Luís Osório
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