1.
Faz hoje uma semana que morreu Joana Marques Vidal.
Recebi a notícia com enorme surpresa, desconhecia que estava doente. Trocara mensagens com José, seu pai e meu amigo, combinámos almoçar o nosso bacalhau com todos em Algés e nada lhe perguntei sobre Joana e ele nada me disse.
Conhecia mal a ex-Procuradora-Geral da República.
Jantara com ela em Leiria há cerca de um ano, com ela e com a vice-presidente da Câmara de Leiria, Anabela Graça. Falámos aí longamente sobre educação e contou-me de algumas “brincadeiras” que lhe tinham feito nos últimos anos, a ela e ao seu irmão procurador, coisas sem importância, mas que podiam passar se não estivessem atentos – almoços que apareciam pagos, vinhos que surgiam na mesa, viagens de férias que tiveram de cancelar por perceberem que alguém as pagara.
Perguntei-lhe se estas coisas se faziam assim.
E ela, de um sorriso que nunca partilhou com a opinião pública, a responder que sim, que estas e outras coisas são feitas para testar, começa-se pelo que não tem importância, coisas que até parecem bem-intencionadas para depois a fatura chegar se as pessoas tiverem o deslize de deixar passar a “gentileza”.
2.
Encontrei-a pela última vez perto de Coimbra, num espetáculo na Mealhada.
Demos um abraço e combinámos um encontro em Águeda.
Quero falar-te de Joana Marques Vidal.
A pessoa mais incorruptível que conheci.
Uma mulher forte e que inaugurou um capítulo importante na relação da justiça com os poderosos, foi a partir dela que o país intuiu que talvez os poderosos tivessem deixado de estar protegidos pela justiça.
3.
Quero falar-te de Joana Marques Vidal para te dizer o que provavelmente não sabes.
Na sua cabeça era claro, e na de todos os membros da família, que era profundamente de esquerda.
Uma esquerda que definia como o combate pela igualdade, o combate contra a discriminação, o combate pelo fim do tratamento discriminatório em relação às mulheres, o combate pela proteção dos elos mais frágeis, das crianças vítimas de violência doméstica, dos órfãos.
A Joana sofria por ver alguém prejudicado por ser malnascido.
Não era complacente com os que se aproveitavam do poder que tinham, mas comovia-se com a pobreza, com as pessoas simples, com a bondade.
4.
Era democrática.
Acreditava na liberdade.
Detestava o populismo.
Era uma solitária rodeada de gente.
Uma solitária que vivia para o trabalho e para a família – os pais, os irmãos de várias idades, os colegas magistrados, os livros, as tertúlias com amigos, os fins-de-semana em Pedaçães.
Já passou uma semana.
A Joana partiu e eu não sabia sequer que ela já estava em viagem.
Texto e programa de Luís Osório
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