Tal como os Japan, os The Police colocaram cedo um ponto final ao seu percurso discográfico, não conhecendo por isso (como também sucedeu com os Beatles), um momento sequer de decadência ou desnorte. Na verdade foi por um triz que a discografia dos The Police não se ficou apenas pelos quatro títulos – “Outlandos d’Amour” (1978), “Reggatta de Blanc” (1979), “Zenyatta Mondatta” (1980) e “Ghost In The Machine” (1981) – de tão tensos que foram os trabalhos de criação de um quinto álbum, a dada altura tendo o manager Miles Copeland viajado até Monsettat, para pedir conselhos ao dono dos Air Studios nos quais o trio estava então a trabalhar, ao que George Martin terá respondido que os “jovens músicos” saberiam eles mesmos dar conta do recado. E de facto assim foi, tendo o álbum mais elaborado, desafiante da obra do grupo acabado por nascer de facto e se transformar no bem sucedido de quaisquer dos títulos da sua obra.
Esta memória da viagem de emergência do manager da banda é um dos muitos episódios recordados no (magnífico) texto que acompanha a primeira edição exploratória do arquivo dos The Police que, agora, nos apresenta caixas com 6CD ou 4LP o universo em volta desse belo “Synchronicity”. O disco começou a nascer numa temporada em que Sting (o principal compositor do trio) viveu na mítica Goldeneye, a residência de Ian Fleming na costa norte jamaicana. Seguiu-se uma etapa de criação de maquetes num estúdio em Londres, só depois tendo os três músicos rumado aos Air Studios para dar forma ao sucessor de “Ghost In The Machine”. Foi aí que o choque de egos gerou focos de tensão maiores do que nunca, com pólos mais extremos de antagonismo entre a visão da música como expressão de intensidade e diversão para o baterista ou de fuga para um lugar sereno de harmonia e criatividade, segundo o vocalista. Com cada um a gravar num espaço diferente dos estúdios (Sting na régie, Andy Summers no estúdio de facto e Stuart Copeland na sala de jantar), as canções começaram a fluir entre os três. E, mesmo perante os focos de conflito que iam surgindo, a consciência de que ali estava algo diferente e especial a nascer ajudou a manter coesa a pequena equipa, repetindo-se contudo os mesmos episódios de desentendimento quando, pouco depois, se juntaram num outro estúdio, no Canadá, para misturar o disco e dar forma final às canções.
De facto tinham em mãos um disco diferente dos anteriores quatro, todos eles desenhados sobre ecos da revolução punk, marcados frequentemente reggae e por um sentido de urgência. Tal como “Ghost in The Machine” havia sido influenciado por leituras (de Sting) – em concreto um livro homónimo de Arthur Koestler – o novo corpo de canções trazidas para as sessões pelo vocalista do grupo era marcado pelas ideias de Carl Jung em “Sincronicidade”, um texto de 1959 quer falava de acontecimentos que se ligavam não pela causalidade mas por relações de significado. Este pensamento, assimilado, marcou as narrativas que habitavam canções como “Every Breath You Take”, “King Of Pain”, “Wrapped Around Your Finger”, ou as suas partes de “Synchronicity”, traduzindo, por sua vez, “Tea In The Sahara”, memórias da leitura recente de “Um Chá no Deserto” de Paul Bowles. O alinhamento final, no qual surgia apenas uma canção de Summers (“Mother”) e uma de Copeland (“Miss Gradenko”), revelava igualmente caminhos musicalmente mais desafiantes, atentos à emergência de novas electrónicas, interesses pelo jazz e por músicas de outras geografias, sem perder contudo as marcas de identidade do trio. Vale a pena escutar, contudo, um momento como o que ganhou forma em “Walking In Your Footspets” para notarmos uma pulsão exploratória que poderia ter determinado rumos ainda mais desafiantes para um eventual sexto álbum que acabou por nunca sequer ser encarado como possível quando, chegados a 1986, os The Police encararam o que tinham pela frente após o hiato que impuseram a si mesmos depois da (bem-sucedida) digressão que se seguiu ao lançamento de “Synchronicity”. Na verdade os ecos deste quinto álbum lançaram pistas entre os caminhos a solo dos três músicos durante esse hiato, com Stuart Copeland a fazer música para cinema, Andy Summers a criar mais uma parceria com Robert Fripp e Sting, além do trabalho como ator, a editar “The Deram Of The Blue Turtles” (o mais evidente herdeiro de “Synchronicity”).
Agora reencontramos “Synchronicity” numa magnífica edição de arquivo que junta ao álbum original e aos lados B dos singles uma multidão de takes alternativos, versões instrumentais, maquetes e inéditos (entre originais e versões) que acabaram fora do alinhamento, que nos permitem contemplar o atribulado processo criativo por detrás deste álbum editado em finais de 1983 e que, nos EUA, foi o título que retirou do número um da tabela de vendas o então imparável “Thriller” de Michael Jackson. As versões em CD e para streaming têm mais material que a caixa em vinil e incluem a totalidade do registo de um concerto da digressão que o grupo levou à estrada depois da edição do álbum. O booklet que acompanha as edições da caixa em suportes físicos junta um texto bem documentado, fotos da época, as capas do álbum e singke (nas suas mais diversas declinações para os diversos mercados) e ainda cartazes, bilhetes, autocolantes, T-shirts e elementos gráficos ligados ao álbum e à digressão. Os arquivos dos The Police têm aqui uma primeira janela para arqueologia pop… Que o modelo agora comece a recuar o tempo e ajude a contar a história dos quatro álbuns anteriores.