Fundada na viragem dos anos 80 para os 90, e com primeira manifestação no disco de tributo a Cole Porter que se materializou em “Red Hot + Blue”, a Red Hot Organization soma já 35 anos de trabalho de activismo sobretudo focado na luta contra o vírus VIH. Através dos seus discos e dos projetos multimédia a si associados esta ONG com sede em Nova Iorque e amplitude global ora recolheu fundos ora criou momentos de comunicação, procurando pela curadoria de cada um dos lançamentos chegar a públicos distintos. Talvez sem o mediatismo dos tempos desse álbum de 1990 ou de títulos subsequentes lançados nos anos 90 como “Red Hot + Dance” (1992), “No Alternative” (1993), “Red Hot + Cool: Stolen Moments” (1994), os dois volumes de “Red Hot + Rio” (de 1996 e 2011), “Onda Sonora – Red Hot + Lisbon” (1998) ou “Red Rot + Rhapsody” (1998), entre outros mais, as edições nascidas depois do milénio geraram discos igualmente interessantes que ora homenagearam Duke Ellington (“Red Hot + Indigo”, de 2000), Fela Kuti (“Red Hot + Riot” de 2002 e “Red Hot + Fela”, de 2013), Johann Sebastian Bach (“Red Hot + Bach”, de 2014), Arthur Russell (“Master Mix – Red Hot + Arthur Russell”, de 2014) ou os Grateful Dead (“Day Of The Dead”, de 2016), ora celebraram ligações a regiões demarcadas da música popular, dos terrenos indie (em “Dark Was The Night”, de 2009) aos espaços da música de Dança (“Red Hot + Free”, de 2021). Agora, depois de uma cinco lançamentos dedicados a Sun Ra, editados entre 2023 e 2024 eis que surge “Transa”, álbum extenso que alarga as frentes de atuação da Red Hot Organization a outras lutas.
Na verdade não é a primeira vez que discos da Red Hot olham para além do seu foco central histórico, centrado no combate ao VIH. Editado em 2020 o EP “T-Pop” chamava atenções para a luta pelo direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo na Ásia. Dois anos depois o EP “Kele.le” focava atenções nas mulheres africanas para debater questões que iam da violência de género aos domínios da saúde. Agora, precedido por um EP e um single que davam voz a um primeiro grupo de criações, eis que chega “Transa” que tem como mote central a criação de um espaço de luta contra a transfobia. Com ponto de partida numa vontade de lembrar Sophie, que desapareceu tragicamente em 2021, com apenas 34 anos, e depois de primeiras conversas entre Dust Reid and Massima Bell (na foto), o álbum nasce com curadoria que segue os preceitos habituais, procurando criar um espaço de diversidade, mas que junta desta vez uma dimensão de representação, juntando entre o lote de músicos convocados uma série de artistas trans e não binários.
E uma vez conhecidos os objetivos resta-nos saborear os muitos caminhos pelos quais a música aqui flui. Podemos começar por notar a presença de alguns nomes de relevo (como Sade, Perfume Genius, Bill Callahan, Devendra Banhart, Jeff Tweedy, Juliana Barwick, Dirty Projectors, Helado Negro, Fleet Foxes ou Sam Smith) ou duplas inesperadas como as que juntam Moses Sumney a Anohni, Sharon Von Etten a Ezra Furman ou Arthur Baker com Pharaoh Sanders. Entre as 46 composições, quase todas elas apresentadas como colaborações, ora há canções no seu mais clássico formato como incursões pela música experimental (como é o caso de Andre 3000). A ter de destacar três apontaria em primeiro lugar o notável regresso de Sade Adu com “Young Lion”, canção na qual a cantora pede (literalmente) desculpa ao filho trans por não ter respondido da melhor forma noutros tempos (algo que o próprio entretanto refutou, deixando contudo no ar o modo como a canção da sua mãe serve de exemplo para tantos outros casos). Depois, e pelo poder de um reencontro, a abordagem da dupla Wndy & Lisa ao clássico “I Would Die 4 U”, de Prince, evocando os tempos em que ambas integravam os Revolution, mas agora acompanhadas por Lauren Auder. E a fechar este trio mais uma versão, desta vez a transformar um original dos Belle & Sebastian dos anos 90, “Get Me Away From Here, I’m Dying”, desta vez com Julien Baker, Calvin Lauber, SOAK e Quinn Christopherson. Já agora, nada como dar ainda atenção ao belo “Is It Cold In The Water” de Moses Sumney e Anohni, “Point of Disgust” de Perfume Genius e Alan Sparhawk ou a versão de “You Make Me Feel (Mighty Real)” por Moses Sumney, Lyra Pramuk e Sam Smith… Mas nada como caminhar entre o alinhamento. Cada um encontrará aqui o seu caminho…
“Transa” está disponível numa caixa de 6LP e nas plataformas de streaming numa edição da Red Hot Organization.