1.
Leio a mesma história há trinta anos.
Que quando Cristiano Ronaldo era um jovem promissor havia um outro melhor do que ele – tinha mais habilidade, mais explosão, mais poder de remate, mais aceleração, mais jogo de cabeça, era melhor em tudo.
Na televisão, nas rádios ou nos jornais quando não há um assunto desenterra-se a grande história do Fábio Paim, o mito, o grande, o enorme, o maior que a escola do Sporting ofereceu ao mundo.
2.
O que é extraordinário é que o país nunca viu Fábio Paim marcar um golo.
Vimo-lo a dar entrevistas sobre o bom que era e poderia ter sido.
Vimo-lo na enésima tentativa de voltar ao futebol, sempre sem sucesso.
Vimo-lo agora a dizer ao mundo que vai entrar no mercado dos filmes pornográficos, que vai marcar golos de uma outra maneira.
Na promoção de um filme em que contracenou com uma atriz com uma mascarilha, lá veio o pobre do Cristiano Ronaldo à baila.
Às tantas, ouvimo-lo a dizer numa conversa com a rapariga com quem contracena: “O Cristiano Ronaldo nunca me atemorizou, mas contigo é diferente, contigo fico mesmo nervoso”.
3.
Como sempre acontece quando dele oiço falar, lembro-me do Passarinho…
…o melhor que vi jogar à bola.
Era meu colega no Liceu Pedro Nunes e com a “chicha” nos pés era qualquer coisa que não se entendia.
Não havia quem lhe tirasse a bola.
E não havia quem não quisesse tê-lo na equipa.
Vi-o jogar no recreio com o Hugo Porfírio ou o José Dominguez, os dois virtuosos e os dois com várias internacionalizações na seleção portuguesa, mas o Passarinho ganhava-lhes aos pontos.
Quando sabíamos que ia jogar o campo de jogos do liceu enchia-se para o ver – os professores chegaram a pedir-lhe para nunca jogar fora dos intervalos, única maneira de evitar a multiplicação de faltas de presença.
4.
O que pretendo dizer com isto?
Que Fábio Paim é a porta de entrada para a memória que tenho do Passarinho, o mais incrível dos jogadores desperdiçados.
Adorava que o tivessem visto jogar, no liceu da minha juventude não havia quem pudesse duvidar que chegaria ao topo do mundo.
Pelo talento do Passarinho ponho as mãos no fogo.
Já pelo de Paim, o jogador que jura que era bem melhor do que Cristiano, é impossível não sorrir com a desfaçatez.
Que tenha muita sorte como ator. É que já ninguém aguenta a história do rapaz que era o melhor, do rapaz que era o tal, do rapaz que foi traído pela vida quando estava destinado a ser o novo Pelé.
Já o Passarinho podia mesmo ter sido tudo. Gostava que o tivesses visto com uma bola nos pés, que o tivesses visto a esquivar-se dos adversários como se a vida não tivesse para ele qualquer segredo.
Ele sim.
Ele foi o melhor entre os jogadores que nunca o foram verdadeiramente.
Texto e programa de Luís Osório
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