1.
Tenho saudades suas.
Saudades de quando nos encontrávamos, das nossas conversas ternas em que nunca falávamos de política.
Perguntava-me pelos meus filhos mais velhos, falávamos dos livros, da poesia, da história, da memória, das pessoas grandes que alimentavam razões de esperança, falámos também de Deus, numa conversa no cimo daquelas intermináveis escadarias da Cruz Vermelha.
2.
Acredito que sabe quem está agora à minha frente a ouvir este “Postal do Dia”.
Sim, isso.
É o seu João, o seu enfant terrible, o filho que é o motivo da sua aproximação a Deus – não por ele ser crente, julgo que continua a ser incorrigivelmente ateu ou próximo disso, mas por ter
acreditado que foi um milagre que o salvou daquele desastre de avião na Jamba.
3.
Dr.ª Maria Barroso, temos saudades suas.
Ainda agora, nos dias de Natal, a esperei na Versalhes. Encontrámo-nos tantas vezes à procura do bolo-rei ou de uns croquetes para o jantar.
Temos saudades do seu sentido de liberdade, da sua tremenda capacidade de ser otimista e de encontrar luz mesmo no meio do mais profundo breu.
Tenho saudades da sua voz que embalava, que era apaziguadora de tempestades, mas firme de convicções.
4.
No tempo mais difícil, sozinha com o João e a Isabel, resistiu à prisão, deportação e exílio de Mário Soares, resistiu à pressão económica e à PIDE sempre a escutar-lhe os passos, resistiu sem nunca abdicar de ser mãe e de estar presente nas suas vidas em todos os minutos.
De ser um referencial de uma ética e de uma moral que já não parecem ser deste mundo aqui em baixo.
Se Deus existe, Dra. Maria Barroso…
…se Deus existe, peça-lhe uma outra missão e venha soprar-nos um vento que acalme esta tempestade perfeita.