1.
Vai fazer agora um ano que morreu a única figura consensual da Assembleia da República.
Era generoso e extremamente simpático para todos – até para Pedro Pinto, líder da bancada parlamentar do Chega o que é uma suprema prova da sua infinita tolerância e do seu amor pela humanidade.
Quando morreu nenhuma das bancadas regateou elogios e todas recordaram histórias que provaram o quanto aquela presença era única.
Os da esquerda mais à esquerda batizavam-no com nomes de camaradas, socialistas chamavam-no de Mário, os social-democratas de Sá Carneiro, os liberais de Locke e para os de extrema-direita era o António e nos momentos mais entusiasmados, dias em que as sessões lhes corriam bem, até houve quem o chamasse de Benito.
2.
Nos próximos dias os deputados recordarão o primeiro aniversário da sua ausência.
O seu nome será pronunciado e também será relevado o seu combate contra a doença que o minou.
Um tumor foi-lhe fatal, mas toda a gente dele se quis despedir. Fez questão de se finar no parlamento…
…uma sala quentinha perto do gabinete do Presidente ajudou-o a adormecer para sempre.
3.
No seu obituário está escrito que era o relações-públicas mais completo da Assembleia da República, o mais eficaz, até o mais fofinho houve quem proclamasse.
Vagueava altivo nos corredores e adorava passear nos jardins do Palácio de São Bento.
Nessas longas caminhadas, não achava graça aos pavões e a duas gaivotas que por lá andavam.
E acrescente-se que jamais deu confiança aos seis gatos; o Tobias, o Rapazito, a Guidinha, o Totó, o Rudi e a Farrusca – conhecia-os muito bem, aos gatos e à enfermeira Lina que, depois de fazer o seu trabalho no centro clínico do Parlamento, cuidava da bicharada com amor e devoção.
4.
Uma pena ter morrido.
Conhecia todos os animais e todos os deputados.
Simpatizava com toda a gente e adorava entrar no hemiciclo nas sessões mais animadas.
Não ficava muito tempo, regra geral acabava por adormecer e ninguém levava a mal, a ele tudo se perdoava.
Sim, faz agora um ano que o gato preto Miau Maria partiu por culpa de um tumor.
Era a única figura consensual no Parlamento, o rei dos gatos, o que tinha, até mais do que o Tobias, livre-trânsito para andar por onde quisesse.
Miau Maria está agora no paraíso da “gataria”, mas de quando em vez o seu espírito vagueia pelos Passos Perdidos e por um recanto no jardim onde a enfermeira Lina o mimava com patés de salmão que lhe sabiam pela vida.
Foi uma bela vida.
Merece um busto, pelo menos isso.