1.
Conheço um jovem que está internado numa ala reservada para pessoas com distúrbios psiquiátricos.
A sua cabeça desequilibrou-se quando os pais lhe tiraram o telemóvel como castigo pelas más notas, pelas noites mal ou nada dormidas, por uma dependência crescente que o isolou em casa e fora de casa.
2.
O jovem que conheço tentou por fim a tudo após uma discussão – empurrou a mãe e respondeu ao pai com um soco que paralisou e entorpeceu a família.
Aquele menino era dócil, tranquilo, bom aluno.
O que se estava a passar?
Os médicos foram chamados e souberam acalmá-lo com sedativos que o adormeceram como se tivesse voltado a ser o bebé de sempre.
3.
O jovem que conheço está internado e nele voltei a pensar hoje à tarde ao regressar a casa sentado numa das carruagens do metropolitano.
Estavam talvez umas quarenta pessoas sentadas como eu – entretive-me a contar as que não manuseavam o telemóvel.
Foi fácil, eram apenas quatro.
Um casal de velhotes, uma rapariga com uns auscultadores maiores do que a sua cabeça e eu.
Rigorosamente mais ninguém.
4.
O telemóvel oferece-nos o mundo.
Podemos gastar uma vida à procura de alguma coisa que a nossa ansiedade acredita que existe.
Procuramos informação, amores, músicas, comédia, drama, conselhos, sexo, catálogos, jogos, campeonatos, viagens virtuais, experiências, compras, humoristas, vendedores de banha de cobra, tudo.
Acreditamos que nunca estivemos tão acompanhados, mas a verdade é que nunca estivemos tão sozinhos.
Nenhuma das pessoas olhou para alguém naquela carruagem de metro, estávamos todos dentro do próprio umbigo, a deslizar os dedos pelas nossas obsessões onde nos chega apenas o que vai ao encontro do que já consumimos, não do que nos possa fazer pensar, questionar, construir um pensamento crítico.
O miúdo que é filho de uns amigos estava ligado à vida pelo telemóvel – ali encontrava tudo o que acreditava ser seu…
… os amigos, as promessas, o passaporte para procurar a felicidade no próximo vídeo, na próxima mensagem, na próxima aplicação ou da próxima vez em que desligar e ligar de novo.
5.
Quem sabe se aquela miúda me enviou uma mensagem.
Quem sabe se ele reparou na minha página.
Quem sabe se já tenho mais dois ou três seguidores do que esta manhã.
Quem sabe se é hoje que encontro o que procuro, seja isso o que for.
Quem sabe se não será hoje?