1.
Talvez desconheças o nome do homem que te salvou.
Talvez até desconheças que foste salvo no dia 26 de setembro de 1983 – se ele não tivesse existido, se não tivesse tido a coragem de uma decisão que sabia o iria prejudicar, é provável que eu não estivesse a escrever este postal e tu a lê-lo ou a ouvi-lo.
Mesmo que tenhas nascido depois de 1983, mesmo que ainda não fosses gente, também não estarias cá.
A tua mãe não poderia ter engravidado.
E tu não terias passado de um bonito e falhado projeto.
2.
O homem que te salvou era russo e tinha 44 anos no dia em que te salvou.
Chamava-se Stanislav Petrov…
… engenheiro Petrov.
O pai fora piloto na 2ª Guerra Mundial e a mãe sacrificara-se a tratar dos feridos – eram heróis bolcheviques, patriotas, membros respeitados do Partido Comunista.
Petrov subiu rapidamente na hierarquia. Em setembro de 1983 coordenava a equipa que teria de dar o alerta se os americanos se atrevessem a lançar um ataque nuclear.
3.
Petrov era coronel e estava no bunker.
O ambiente era tenso.
Uns dias antes a União Soviética rebentara um boeing sul-coreano e havia espiões que suspeitavam da possibilidade de um ataque americano em resposta.
Se tal acontecesse Petrov teria de avisar Moscovo que, como protocolado, lançaria um contra-ataque nuclear maciço contra os Estados Unidos e os seus aliados.
4.
Faltavam poucos minutos para a meia-noite quando o computador indicou que um míssil americano se dirigia à Rússia.
O bunker agitou-se.
Houve quem pegasse no telefone, mas Petrov gritou para que ninguém fizesse nada.
Só podia ser um erro do computador, se os americanos atacassem a União Soviética não disparariam apenas um míssil.
Só que, minutos depois, o computador indicou um segundo míssil.
E um terceiro.
E um quarto.
E um quinto.
5.
Houve quem tentasse agredir Petrov que se manteve irredutível na ideia de que era um bug informático, não fazia sentido aquele ataque, não tinha qualquer lógica.
Os seus camaradas acreditaram que enlouquecera ou era um infiltrado – se estivesse errado a Rússia desapareceria do mapa.
Mas Stanislav Petrov tinha razão.
Fora um bug informático.
Se tivesse avisado Moscovo, como era sua obrigação, não estaria aqui a contar a história.
6.
O presidente da União Soviética, Yuri Andropov, condenou-o ao esquecimento. Não podia ser tolerada uma tamanha falha no sistema e, ainda menos, poderia ser permitido o livre arbítrio de um funcionário que desobedecera e falhara um protocolo.
O homem que te salvou não foi preso, mas nunca mais pode trabalhar. Ficou com uma pensão de sobrevivência e morreu em 2017.
Só em 1998 o mundo conheceu esta história.
O dia em que foste salvo sem o saber.
Salvo por um homem a quem deves brindar.
Chamava-se Petrov.
O homem que salvou o mundo do desastre.
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