1.
Xana fez 60 anos.
Continua como da última vez que a tinha visto em palco – alta, magnética, única.
Foi bonita a festa na Casa de Pedra – já não contava saltar e cantar com os Rádio Macau à frente dos meus olhos…
…e com ela, claro.
2.
A Alexandra Margarida, agora com 60 anos, mas tão inatingível como antes, tão inatingível como quando tinha vinte e poucos e eu a via no Bairro Alto a beber copos e a ser o espelho de um futuro que tantos desejávamos.
A Xana, como o Zé Pedro com quem viveu alguns anos, representavam a sede que tínhamos de abertura, de testar os limites, de saltar sem rede, de sermos tão modernos e cosmopolitas como os outros.
Amanhã era sempre longe demais, nós desejávamos o hoje, subir todos os elevadores, atingir a glória no final de cada uma das madrugadas da nossa vida.
Xana era a revolução depois da revolução.
As suas canções, as suas letras, eram o desejo de não discutirmos a liberdade, mas de a vivermos.
Nela já não eram os cravos na lapela, mas a necessidade de celebrarmos a procura, de vivermos a vida no limite e sem constrangimentos.
Tínhamos o direito de viver a nossa vida e se escolhêssemos a perdição, se renegássemos a redenção, se fugíssemos para o lodo, também estava bem se isso fosse o resultado de nos termos rebentado em liberdade.
3.
Xana aos 60 anos continua a ser a procura.
Continua a tentar pintar o céu em tons de azul
Continua a tentar fugir e a tentar morder o anzol.
A sua voz está igual.
Agora, professora de Filosofia.
Doutorada, especialista em Henry Maldiney, um filósofo francês que arriscou a vida contra o fascismo de Hitler, que esteve preso e que nunca deixou de pensar a partir das falhas de que a arte precisa para ser arte.
Não há procura sem conflito e crise.
Sem pôr tudo em causa, até a existência.
4.
Aposto que não lê as notícias triviais.
Sou até capaz de apostar que detestará ser um postal do dia, mas não consegui evitar escrever-lhe.
Escrever-te a ti, como faço todos os dias.
Sobre ela.
Xana dos Rádio Macau, muitos a definem assim.
Mas não é verdade.
A Xana é a Xana.
Professora de filosofia.
Agitadora do pensamento.
Revolucionária depois da revolução.
Um cravo invisível na lapela.
A liberdade nela é poderosa, visceral e absoluta.
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