1.
Ainda ontem me perguntaram quem foi Maria de Lurdes Pintassilgo – o que fizera, o que deixara de legado e se eu a chegara a conhecer.
Não a conheci.
Não tive essa graça.
De resto, contei-lhes do que sabia.
Que Pintassilgo foi uma mulher maior.
Uma revolucionária que não acreditava em revoluções.
Uma progressista que também era conservadora.
Uma visionária que não gostava que os visionários esquecessem o que se pensara ou conquistara no passado.
2.
Segui as presidenciais de 1986.
Ela era a favorita a ganhar, mas perdeu logo à primeira-volta.
Tinha uns 15 ou 16 anos e não sabia o que ela fora.
E tanto ela já tinha sido.
Uma das primeiras engenheiras – inscrevera-se no Instituto Superior Técnico para provar que as mulheres podiam ser o que desejassem ser.
A primeira e única mulher a liderar um governo em Portugal – nomeada por Eanes num executivo de iniciativa presidencial, em 1979.
A primeira mulher a candidatar-se à Presidência da República.
3.
Maria de Lurdes Pintassilgo tinha 74 anos quando morreu.
Passaram 21 anos, mas hoje quase ninguém a recorda.
Não era filiada em partidos políticos ou pertencia a lobbies.
E a sua intervenção na Igreja Católica era heterodoxa – foi uma das principais ativistas do Graal, um movimento internacional de intervenção de mulheres cristãs que pretendiam ganhar espaço e ser consideradas no futuro da Igreja.
Também aí esteve à frente do seu tempo.
Defendeu o papel da mulher na Igreja antes de muito mais vozes se levantarem – foi Francisco antes de Francisco.
Como na política defendeu o rendimento mínimo antes de qualquer outro político.
Prefaciou a “bíblia” do feminismo em Portugal – “As Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.
As feministas achavam que ela era a primeira feminista.
4.
Imagino-a no Botequim com Natália Correia.
Imagino-a livre e independente.
Imagino-a sempre preocupada com o mundo e os outros, mas sempre solitária, no seu mundo.
Não teve filhos.
Nem casamentos ou relações conhecidas.
Morreu antes de tempo.
Morre-se sempre antes de tempo quando se é grande.
Fazem falta pessoas assim.
E para elas não há pretexto quando se escreve.
Escrevo simplesmente para não me esquecer, e para que não te esqueças, que há pessoas e razões para não desistirmos de ser do tamanho dos nossos sonhos, de não deixarmos de acreditar que a vida vale a pena e que a luz é mais desafiadora do que qualquer sombra.
Ouça o “Postal do Dia” em Apple Podcasts, Spotify e RTP Play.