Rodado em 2019, no Rio de Janeiro, com coprodução luso-brasileira, “O Último Animal” é um ‘thriller’ dramático que entrelaça as linhas narrativas de várias personagens que se encontram numa só história de corrupção, tráfico de droga e lavagem de dinheiro inspirada no Jogo do Bicho. Este jogo de apostas, criado em 1892 no Rio de Janeiro, uma espécie de lotaria que ainda é ilegal, inclui a figura do ‘bicheiro’, que financia o jogo e que é muitas vezes conotado com atividades ilícitas. “Há 12 anos, leio um artigo num jornal no Rio de Janeiro sobre o Jogo do Bicho, e eu não sabia da sua existência. Aquilo é basicamente a camorra italiana, o mesmo funcionamento, mas à portuguesa. (…) O maior jogo clandestino de todo o continente americano. Eu acho aquilo fascinante e não sabia. E percebi o que tinha de curioso e transversal na sociedade”, afirmou o realizador Leonel Vieira, em entrevista à agência Lusa. Na história do Jogo do Bicho, entre os ‘bicheiros’ contavam-se portugueses emigrados no Brasil, o que inspirou Leonel Vieira para uma das personagens de “O Último Animal”, o empresário Casimiro Alves (Joaquim de Almeida), que manobra uma rede criminosa de lavagem de dinheiro proveniente de tráfico de droga e envolvimento com donos de favelas. “Queria uma história de cinco personagens; uma bailarina de escola de samba, um ‘bicheiro’, um ‘gringo’, um estrangeiro – que era o meu olhar -, queria um miúdo de favela e um chefe de morro”, elencou Leonel Vieira, admitindo que todas as personagens são baseadas em histórias reais.
Os brasileiros têm dificuldade em aceitar que um português venha fazer um filme sobre a parte negra do Brasil
À agência Lusa, Joaquim de Almeida explicou que participou na construção da personagem ainda durante a escrita do guião e que se inspirou em Castor de Andrade, um dos ‘bicheiros’ daquele jogo de apostas, que tinha origem portuguesa. “Uma parte que eu gostava muito (no argumento) é o facto de que podes tirar o homem da favela, mas é muito difícil tirar a favela do homem. E neste caso, o mais interessante é um homem que quer sair da favela e a sociedade não deixa”, disse o ator sobre uma das personagens do filme. Apesar de trabalhar há mais de uma década com brasileiros, Leonel Vieira admitiu que a procura de financiamento foi “um calvário” no Brasil, porque sentiu resistência das produtoras precisamente por ser um português a olhar para uma realidade que não é a sua. “Os brasileiros têm dificuldade em aceitar que um português venha fazer um filme sobre a parte negra do Brasil, se bem que envolve portugueses”, disse Joaquim de Almeida. Leonel Vieira acrescentou: “Mostrei o filme a três ativistas negros, de favela, dos mais conhecidos do Rio de Janeiro, amigos do (ator) Júnior Vieira. Era fundamental mostrar a alguém que entende isto, alguém muito implicado na causa. E quando eles viram o filme, disseram que adoraram e que era muito verdadeiro e imparcial”.
As salas ainda são o lugar onde o êxito é diretamente proporcional à rentabilidade
“O Último Animal” chega aos cinemas, quando o realizador acaba de filmar uma minissérie sobre o empresário Rui Nabeiro e se prepara para voltar ao universo da comédia “O Pátio das Cantigas” (2015), que se mantém o filme português mais visto de sempre, desde que há estatísticas sistematizadas, com mais de 608 mil espectadores. Questionado sobre a possibilidade de o cinema português ter atualmente espectadores que não são oficialmente contabilizados, por serem exibidos noutros ecrãs além da sala de cinema, Leonel Vieira alertou que a rendibilidade ainda está no circuito comercial. “Eu não tenho uma preocupação que os meus filmes sejam vistos, isso já tenho há anos em Portugal. O que eu não acho bem é quando não nos pagam decentemente. E muitos ainda não são pagos decentemente (fora do circuito comercial). As salas ainda são o lugar onde o êxito é diretamente proporcional à rentabilidade”, disse. Para Leonel Vieira, o mercado precisa de “um equilíbrio de forças e de dinheiro” perante uma lógica de exibição que mudou. “O que vai acontecer com o cinema é que vai continuar e vai ser uma das janelas (de exibição), mas não vai ser a principal. A principal claramente veio para ficar, que é o ‘streaming’”, disse.