Com um número recorde de realizadoras na competição, a 76.ª edição do Festival de Cannes entregou, apenas pela terceira vez, a Palma de Ouro a uma mulher. Depois de Jane Campion, por O Piano, e de Julia Ducournau, por Titane, este ano o prémio ficou em casa ao ser atribuído à francesa Justine Triet pelo thriller doméstico e de tribunal Anatomia de Uma Queda (em tradução direta do francês). Esta foi também a 15.ª vez que uma Palma de Ouro foi entregue a um filme francês. O filme conta a história de uma escritora acusada de matar o marido que tenta provar a sua inocência. A protagonista, interpretada pela atriz alemã Sandra Hüller (Toni Erdmann), vê-se confrontada, no julgamento, com toda a espécie de juízos sexistas, à medida que os seus segredos mais íntimos vão sendo revelados.
O júri presidido pelo realizador sueco Ruben Östlund acabou por atribuir a segunda distinção mais importante, o Grande Prémio, ao filme The Zone of Interest, do britânico Jonathan Glazer (autor de Debaixo da Pele, de 2013), apontado por muitos como um dos favoritos à vitória. Também com Sandra Hüller, o filme retrata a vida do comandante do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau e da sua família, instalados numa confortável casa com um belo jardim que fica paredes-meias com o campo de extermínio nazi. Vagamente inspirado num livro do recentemente falecido escritor Martin Amis, o filme de Glazer é um objeto inclassificável e fora do comum.
O prémio de melhor realizador foi entregue ao cineasta francês de origem vietnamita Tran Anh Hung por La Passion de Dodin Bouffant, enquanto o Prémio do Júri recaiu em Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki (foi a segunda vez que o realizador finlandês foi distinguido em Cannes, depois de em 2002 ter ganho o Grande Prémio com O Homem sem Passado). Quanto aos prémios de melhor ator e atriz, ficaram por conta de Merve Dizdar, por About Dry Grasses, do realizador turco Nuri Bilge Ceylan, e de Kôji Yakusho, pelo filme Monster, do japonês Hirokazu Kore-eda, que venceu também o prémio do melhor argumento, para Yuji Sakamoto, e ainda a Palma Queer.
O cinema português também mereceu atenção, através do filme luso-brasileiro A Flor do Buriti, que venceu o Prémio Ensemble. Pela Croisette passaram ainda filmes de veteranos como Nanni Moretti, Ken Loach, Wim Wenders ou Pedro Almodóvar (com Estranha Forma de Vida), mas também de nomes como Wes Anderson (Asteroid City), Todd Haynes (May December), Martin Scorsese (The Killers of the Flower Moon), Steve McQueen (Occupied City) ou Karim Aïnouz (Firebrand). A edição deste ano do Festival de Cannes viu também a estreia de Indiana Jones e o Marcador do Destino (Harrison Ford marcou presença, tendo recebido uma Palma de Ouro Honorária). Também Michael Douglas foi agraciado com um prémio pelo conjunto da carreira.
Texto de Nuno Camacho
Esta semana, no programa Duas ou Três Coisas, João Lopes e Nuno Galopim fazem o balanço da edição de 2023 de Cannes. Para ouvir depois das 23h, esta quinta-feira, e posteriormente na RTP Play.