Perante o novo e belíssimo filme de Pedro Almodóvar — “O Quarto ao Lado”, consagrado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza —, o menos que se pode dizer é que a sua caracterização como um criador de comédias exuberantes, mais ou menos burlescas, é francamente insuficiente.
Claro que podemos lembrar alguns títulos mais “ligeiros” da primeira fase da sua carreira, desembocando no emblemático “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988), para sublinhar o seu gosto pela farsa social. É uma fase indissociável de um certo espírito de rebeldia ligado à dinâmica da chamada “Movida Madrileña” das décadas de 1970/80, depois da morte do ditador Francisco Franco. O certo é que, em paralelo, desde muito cedo, encontramos na filmografia de Almodóvar momentos em que a intensidade dramática prevalece sobre qualquer ligeireza cómica — o exemplo de “Matador” (1986), um dos vários títulos em que dirigiu Antonio Banderas, é sintomático.
Como o próprio realizador reconhece, os seus filmes sempre foram marcados por uma atenção obsessiva às cores e às formas dos elementos cenográficos (e também do guarda-roupa), emprestando-lhes uma vibração espectacular próxima de algumas formas teatrais — lembremos, a esse propósito, o exemplo de “Kika” (1993), título tanto mais significativo quanto a frivolidade do seu humor tende para o assombramento da comédia negra.
Seja como for, o “visual” não nos deve distrair do facto de Almodóvar ser, sobretudo, um narrador especialmente cuidadoso na construção das suas personagens e respectivas relações. Nesse aspecto, “Tudo sobre a Minha Mãe” (1999) e “Fala com Ela” (2022) são momentos marcantes, até porque ambos foram consagrados nos Óscares de Hollywood: o primeiro como melhor filme estrangeiro (ainda não tinha sido adoptada a designação de “melhor filme internacional”), em representação da Espanha; o segundo valendo ao próprio Almodóvar a estatueta dourada de melhor argumento original.
Aliás, convém não esquecer que, depois de Luis Buñuel (1900-1983), Almodóvar foi, continua a ser, o cineasta que mais contribuiu para a internacionalização da produção espanhola, consolidando-a como uma referência tão especial quanto universal. “O Quarto ao Lado” vai ser, seguramente, um filme que irá reforçar todos esses elementos, não sendo arriscado supor que terá uma presença significativa na temporada dos prémios que desembocará, precisamente, nos Óscares (2 de março de 2025).
A sua história de uma mulher com uma doença terminal e da amiga que a acompanha nos seus dias finais — Tilda Swinton e Julianne Moore, repectivamente — possui a densidade humana e as subtilezas emocionais que lhe conferem essa vocação universal. Sem esquecer que as notáveis intérpretes são também um sinal revelador do facto de Almodóvar continuar a ser um talentoso director de actores e actrizes.