A partir de hoje e até 15 de dezembro, o Batalha Centro de Cinema, no Porto, dedica a David Cronenberg um amplo ciclo que é o mais completo até hoje realizado da obra do cineasta canadiano. Com o título Às Voltas com Cronenberg, esta retrospetiva que rastreia um percurso de cinco décadas inclui também, para lá da exibição da sua filmografia completa, filmes de outros autores que marcaram o realizador e ainda obras abertamente influenciadas pelo seu cinema.
Utilizando o cinema como “exploração filosófica”, Cronenberg criou um espaço autoral marcado pela intersecção (quando não fusão) entre corpo, mente e tecnologia. Entre o fascínio obsessivo pelo visceral, sobretudo como reflexo somático da mente, e a alusão metafórica por intermédio do corpo e das suas interfaces, o realizador ganhou o justificado título de mestre do “body horror”. Talvez o maior expoente desse subgénero do cinema de terror, David Cronenberg trilhou um percurso entre o terror e a ficção científica que, numa fase inicial, se definiu precisamente por filmes de horror biológico como, por exemplo, Crimes do Futuro (1970), Os Parasitas da Morte (1975), Coma Profundo (1977) ou A Ninhada (1979).
Porém, a tríade entre corpo, mente e tecnologia que cruza quase toda a sua obra está bem expressa em filmes como Scanners (1981), um thriller de ação e espionagem sobre pessoas que conseguem sondar os pensamentos de outras que exibe já muitas das obsessões de marca do cineasta (como os temas do “cientista extraviado” e das “inesperadas capacidades físicas trazidas por terapêuticas não convencionais”), Experiência Alucinante (1983), em que “o invasor diabólico é um programa televisivo que seduz e controla os telespectadores”, A Mosca (1986), um dos filmes mais comerciais do realizador e também o mais kafkiano, ou Irmãos Inseparáveis (1988), uma mórbida mas bela metáfora da ansiedade de separação em que Cronenberg aposta uma vez mais nos duplos sentidos.
A fusão entre os três eixos centrais presentes em boa parte da sua obra é mais palpável do que nunca em Crash (1996), uma metáfora sobre a alienação sexual que aborda o sexo no seu aspeto mais antirromântico e material, mas o tema dos perigos da realidade virtual também se insinua no thriller tecnológico eXistenZ (1999). E, se nestes dois filmes se destaca a sua face mais biotecnológica, é em Spider (2002) e Um Método Perigoso (2011) – entremeados por Uma História de Violência (2005) e Promessas Perigosas (2007) – que a psicológica mais plenamente se realiza através das histórias de um esquizofrénico e da relação entre Freud e Jung. Antes de regressar no ano passado com um remake de Crimes do Futuro, David Cronenberg realizou ainda em 2012 Cosmopolis (produzido por Paulo Branco) e Mapas para as Estrelas (2014), uma sátira negra sobre o lado menos reluzente de Hollywood.
Integrados neste ciclo estão ainda, como obras que marcaram o realizador ou foram por si influenciadas, Raw (2016), de Julia Ducournau, Winter Kept Us Warm (1965), de David Secter, Schmeerguntz (1966), de Gunvor Nelson e Dorothy Wiley, Aquele Inverno em Veneza (1973), de Nicolas Roeg, Tetsuo (1989), de Shinya Tsukamoto, Introduction to the Memory Personality (2012), de Jeremy Shaw, Cut (2013), de Christoph Girardet e Matthias Muller, e Tornar-se Um Homem na Idade Média (2022), de Isadora Pedro Neves Marques.