De que falamos (ou de quem falamos) quando falamos de Meryl Streep? Digamos, para simplificar, que ao celebrar 75 anos — nasceu na cidade de Summit, no estado de New Jérsia, no dia 22 de junho de 1949 —, ela nos surge como uma figura central na história do último meio século de cinema. Mais do que isso: a impressionante variedade da sua filmografia define-a como uma legítima herdeira de algumas grandes actrizes do classicismo de Hollywood, incluindo Bette Davis, Katharine Hepburn ou Shirley MacLaine.
Curiosamente, a sua estreia no cinema foi relativamente tardia, em 1977, com um pequeno papel, contracenando com Jane Fonda, em “Julia”, sob a direcção do veteraníssimo Fred Zinnemann. Em qualquer caso, estava longe de ser uma principiante, já que acumulara uma fundamental experiência no teatro, desde os tempos da universidade até aos palcos da Broadway. Em poucos anos, surgiu em títulos tão emblemáticos como “O Caçador” (Michael Cimino, 1978), “Manhattan” (Woody Allen, 1979) e “Kramer contra Kramer” (Robert Benton, 1979), este valendo-lhe um primeiro Óscar, na categoria de actriz secundária.
A partir daí, o mínimo que se pode dizer é que Meryl Streep soube nunca se reduzir a um único registo dramático, surgindo em dramas trágicos como “A Escolha de Sofia” (Alan J. Pakula, 1982), que lhe valeu o seu segundo Óscar, agora como actriz principal, melodramas de impecável fascínio clássico como “África Minha” (Sydney Pollack, 1985), comédias surreais como “A Morte Fica-vos Tão Bem” (Robert Zemeckis, 1992), ou experiências narrativas tão singulares como “As Horas” (Stephen Daldry, 2002), recriando a herança temática e simbólica de Virginia Woolf através da adaptação do romance homónimo de Michael Cunningham.
Ganhou uma terceira estatueta dourada, como melhor actriz, interpretando a figura de Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro” (Phyllida Lloyd, 2011). A proeza faz com que pertença a uma galeria de apenas seis profissionais (em que encontramos também os nomes de Ingrid Bergman ou Jack Nicholson) que arrebataram três Óscares de interpretação — nas respectivas categorias, Katharine Hepburn continua a ser a única personalidade com quatro distinções.
A versatilidade de Meryl Streep é tanto mais surpreendente quanto encontramos na sua trajectória alguns momentos muitos especiais em que ela se transfigura (também) através da música e do canto. “Mamma Mia!” (Phyllida Lloyd, 2011), o
musical inspirado na música dos Abba, será o exemplo mais óbvio e também mais universal, mas importa não esquecer pelo menos mais dois títulos francamente originais: “A Prairie Home Companion – Bastidores da Rádio” (Robert Altman, 2006), sobre um programa de rádio, muito popular nos EUA, dedicado à música “country”, contracenando com Lily Tomlin [ver video aqui em baixo], e “Ricki e os Flash” (Jonathan Demme, 2015), fazendo o retrato íntimo de uma peculiar banda de rock’n’roll.
A sua condição de grande dama de Hollywood não pode ser separada de alguns significativos “desvios” para o espaço televisivo ou, mais recentemente, para as plataformas de “streaming”. Assim, logo no começo da sua carreira, Meryl Streep distinguiu-se em “Holocausto” (1978), mini-série que lhe valeu o primeiro dos seus três Emmys. Mais tarde integrou o elenco de “Anjos na América” (2003), outra mini-série que ocupa um lugar de destaque nas ficções audiovisuais sobre as vivências marcadas pela sida. Nos últimos tempos, tem marcado presença em “Homicídios ao Domicílio” (Disney+), série de comédia em que contracena com Steve Martin e Martin Short.
De tão rico e contrastado curriculum, o menos que se pode dizer é que Meryl Streep foi e continua a ser uma actriz avessa a clichés, e também às facilidades por vezes geradas pela fama. Em boa verdade, ela é alguém que encara cada composição como uma nova possibilidade de auto-reinvenção. Por alguma razão, gosta de repetir que a escolha de um projecto não se esgota nas características de uma determinada personagem — mais do que interpretá-la, é preciso senti-la.