1.
Não a conheço.
Nunca falámos, desconheço-lhe a voz, desconfio que seja alta, mas pode ser baixa, é possível que nela se pressinta uma névoa do que traz do passado, não sei.
Vera Martins… é esse o seu nome.
Verinha para os que verdadeiramente dela gostam.
A mãe do Afonso.
Mas sobretudo uma grande mulher, um exemplo.
2.
A Vera licenciou-se em Comunicação Social na Universidade de Letras do Porto.
Foi jornalista durante vários anos.
E depois assessora numa Câmara Municipal.
Tinha o sonho de fazer reportagens, escrever, observar o mundo e contar histórias.
Aos 18 anos era uma menina inquieta, sonhadora, utópica. Desejava deixar uma marca, construir uma família, cumprir-se.
2.
Só que a vida tem planos próprios.
O jornalismo foi morrendo, a família também.
Ficou por sua conta, ela e o pequeno Afonso, o príncipe que a fez tomar a mais extraordinária decisão da sua vida.
4.
Os seus amigos maiores choraram quando ela lhes contou.
Sabiam que estava infeliz.
Que nada na sua vida lhe parecia fazer sentido.
Que se sentia um fardo, um verbo de encher.
Que não era útil um bocadinho que fosse ao mundo, que nunca fora verdadeiramente feliz ou estivera sequer próxima de se sentir realizada.
Que parecia ter nascido com o bilhete errado, na família errada, no lugar errado, no tempo errado.
5.
Os seus amigos comoveram-se quando Verinha lhes contou que iria mudar a sua vida.
Decidira trabalhar em cuidados paliativos como auxiliar.
Lavar os doentes mais frágeis.
Mudar-lhes a posição na cama.
Lavar as roupas e o chão para que se sentissem melhor e dignos.
Falar com eles, ouvi-los.
Ser auxiliar, a mais nobre profissão, talvez a mais esquecida.
Licenciada, ex-jornalista, ex-assessora de um presidente de uma câmara e agora, por decisão própria, auxiliar de ação médica, a fazer o que mais ninguém faz, a abraçar doentes que têm minutos de vida, a não se importar de ganhar o ordenado mínimo por achar que recebe muito mais do que isso.
Por acreditar que recebe o sentido que lhe faltava.
Um motivo para dizer ao seu Afonso…
… meu filho, a mãe é importante para muita gente, um dia vais orgulhar-te de mim.
Também eu chorei, Vera.
Vieram-me as lágrimas aos olhos.
Obrigado por tudo.
E se um dia passar pela CUF de Aveiro não me esquecerei de entrar e perguntar pelo anjo que se salvou neste mergulho fundo.
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