1.
Natália já tinha perdido um filho em 2018.
Já sabia o que era o luto e a perda. Também por isso poucos anteciparam o que viria a acontecer após a morte do seu segundo filho, em fevereiro deste 2024.
Natália estava feliz.
E toda a comunidade seguia-lhe o entusiasmo.
Ainda por cima, a irmã Noélia engravidara ao mesmo tempo e a sua cria nascera com uns dias de intervalo.
Dois primos que teriam toda a vida para se conhecer e fazer amizade.
2.
Só que o bebé começou a ficar frágil e muito rapidamente adoeceu. Na manhã em que não abriu os olhos, 14 dias depois de ter nascido, ouviram-se gritos de Natália. E a comunidade imediatamente veio ao seu encontro. Todos choraram, todos se despediram, todos abraçaram a mãe.
Natália ficou com o seu bebé nos braços.
Um dia.
Dois dias.
Uma semana.
Um mês.
Acordava com ele nos braços. Comia e corria com ele nos braços. E caminhava com os outros com ele sempre consigo.
O corpo do bebé entrou em decomposição, mas os tratadores deixaram que a mãe cumprisse o luto. Fizeram testes e mediram bafos e bactérias, tudo foi sempre controlado pelos veterinários do Jardim Zoológico de Valência.
Tirar o bebé da sua mãe só numa última instância, Natália precisava de tempo para se desapegar.
3.
E fez o luto nos seus termos.
Dois meses.
Três meses.
Cinco meses com o seu bebé ao colo.
Decomposto, irreconhecível, mas sempre o seu bebé.
Algumas crianças e pais de crianças impressionaram-se.
Alguns, uma minoria, revoltaram-se, mas o Zoo manteve-se inflexível e destacou funcionários para explicarem o que estava a acontecer.
Uma mãe chimpanzé, com 21 anos, a fazer a sua vida como se ele estivesse vivo, como se ele precisasse ainda de si, como se dependesse da sua proteção.
Era isso que estava a acontecer.
4.
De vez em quando, Natália separava-se do grupo e recolhia-se a um cantinho. Muita gente se comoveu quando a viu oferecer um bocadinho de fruta ao bebé. Ou quando a ouvia sussurrar ao seu ouvido “palavras” incompreensíveis.
Seis meses com ele ao colo.
Até que, numa manhã no final deste setembro, deixou o seu bebé na relva a dois metros da porta dos tratadores.
Sete meses depois o luto estava feito.
Sete meses depois, Natália pôde finalmente descansar um bocadinho.
Texto e programa de Luís Osório
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