1.
Tenho pensado muito nele.
É provável que nunca te tenhas cruzado com o seu nome, não importa.
André Zamorano nasceu no Brasil, no Bairro Brás de Pina, norte do Rio de Janeiro.
Era um fervoroso carioca, fanático do Flamengo e ainda mais do Zico que jurava ser melhor que Pelé.
2.
André veio para Portugal, mas o Rio nunca saiu do seu corpo, dos seus olhos, do que nunca deixou de procurar nas músicas que ouvia e na vida que o deixava mais amargurado do que o seu coração merecia.
A sua irmã, a escritora Andrea Zamorano, puxava por ele, pela sua capacidade de sonhar, de se revoltar, de se cumprir.
É que o André era um talento.
Não quero poupar nas palavras.
Quando o André queria ter piada, tinha mesmo muita piada. Chorávamos a rir com os seus espetáculos improvisados. O seu talento de humorista era esmagador.
3.
O André era assistente de produção nos Ficheiros Secretos, monólogo que tive a honra de levar à cena em todo o país. Era um tipo inexcedível, generoso, vigilante.
Não tinha de me preocupar com nada pois nunca falhava.
Quando corria muito bem, deixava-se engolir pela sombra.
Mas quando sentia que era necessário não tinha de perguntar por ele.
Um dia, antes de entrar em palco, estávamos os dois no camarim, perguntei-lhe:
– André, porque não voas?
4.
Morava na Moita.
Tínhamos a minha idade, cinquenta e poucos.
Era casado e amava os dois filhos sem conseguir dizer o quanto os amava e quanto sofria por eles.
Havia nele qualquer coisa que o arrebatava para a tristeza, talvez um destino ou uma premonição.
Quando o conheci já era magro, mas falava muito dos seus tempos de gordo, maior do que o Jô Soares ou o Tim Maia.
5.
Não o conheces, mas ele podia ter sido tudo.
Podia ter sido um gigante.
Aplaudido por milhões e com casa de marajá em Búzios e no Leblon.
Mas não foi isso que a vida quis do André.
Morreu no final de agosto e foi cremado em Alhos Vedros, longe do bairro onde era um ídolo dos amigos e o mais apaixonado dos loucos adeptos do Mengão.
Querido André.
Voltaremos a ver-nos em algum lugar.
Um dia, como prometido, vais ensinar-me a sambar.
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