1.
Numa troca de mensagens a Cláudia encheu-se de coragem e contou-me a sua história de árvores e borboletas.
Uma história que ela escreveu para ilustrar os seus fantasmas, o peso que a empurrava para o charco, a dificuldade de viver atordoada com tantas perguntas impossíveis.
Posso contar-te a sua história?
E posso contar-te como se redimiu?
2.
Cláudia viveu toda a infância e juventude com os avós maternos numa aldeia igual a outras aldeias.
Deram-lhe mimo, abraçaram-na nas noites frias e fizeram o que acreditaram ser o melhor para que a pequenina não sentisse a falta de uma mãe e de um pai.
Sim, a mãe desaparecera por não suportar ficar presa numa aldeia. E o pai ainda pior, do pai não sabia mesmo nada.
3.
O avô Joaquim e a avó Almerinda seguraram-na com amor, mas na pequena Cláudia havia qualquer coisa amputada, um zumbido de sofrimento que não se apagava dos ouvidos, uma imensa tristeza que a alegria de criança era incapaz de esconder.
Até que a avó adoeceu.
Perguntou ao avô o que se passava.
E como ele teve o cuidado de respondeu sem alarmismos, a menina rebentou o que guardara toda a vida.
Gritou que não aceitava mais silêncios.
Gritou que queria saber do pai e da mãe – de como eram, da razão de terem ido.
Que queria saber da avó – se ia morrer, se estava a sofrer, tudo.
4.
A dificuldade do avô em responder fê-la pensar numa hipótese que nunca lhe ocorrera.
Os avós também sentiam saudades da mãe.
Sentiam certamente saudades da filha que tinham perdido.
Cláudia abraçou-os de uma outra maneira, o abraço que se dá a quem está na mesma viagem, no mesmo mar alto, na mesma inquietude e tristeza.
– Avô, tens saudades da mãe?
– Tenho muitas saudades da tua mãe, sim. Muitas saudades da minha filha, querida neta.
5.
E foi aí que Cláudia se perdeu nas árvores da aldeia.
Observou o movimento dos ramos, o som do silêncio e a transformação das feias lagartas em bonitas borboletas.
Pensou que não havia nada que desejasse mais do que transformar-se numa borboleta e poder voar ao encontro do mundo.
Talvez aí encontrasse a sua mãe.
Pegou numa lagarta e percebeu que essa não era a ideia certa, podia ser a mais bonita, mas não era a certa.
A magia não estava na borboleta, mas dentro do que na lagarta é uma hipótese de transformação.
Uma hipótese que a Cláudia Mota convocou para si.
Entendeu por fim que na vida, tantas e tantas vezes, também nós podemos ser borboletas e deixar de ser lagartas.
Esta é então uma história de alguém que aprendeu a voar sem asas e que escreveu a sua própria história.
Graças a uma borboleta que antes era uma lagarta feia e desesperançada, conseguiu escrever o seu futuro.
Texto e programa de Luís Osório
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