1.
Vemos filmes e séries.
Sabemos de histórias reais, de jogos parvos e de apostas cruéis.
Percebemos que há coisas sem explicação, maluquices paranormais, florestas com gnomos e fantasmas, sons que se ouvem sem que ninguém esteja.
2.
Já ouvimos tudo isso.
Aposto que também fizeste as tuas brincadeiras parvas e seguiste, como eu, a maldição de Laura Palmer – confesso-te que me custava a adormecer depois de alguns episódios de “Twin Peaks”.
Só que em Castro Daire tudo é real.
Dois miúdos da Escola Secundária decidiram deixar de viver.
Separados por poucos meses, mais ou menos da mesma idade, um com 16 e o outro com 17.
Conheciam-se, claro que se conheciam.
Ali toda a gente se conhece.
3.
As ruas são empinadas em Castro Daire.
Faz muito frio no Inverno e muito calor no Verão – os miúdos ainda brincam na rua, sobem os montes e caçam pequenos animais.
Há pobreza envergonhada.
Um desemprego acima da média nacional.
Só que isso não explica.
Os miúdos eram adolescentes, bem-dispostos ao que parece, os pais não entendem a falta de respostas da escola ou o que vão sabendo pelas notícias ou pela polícia.
Como acreditar que tenham feito um pacto de morte?
4.
Conheço Castro Daire.
É um bocadinho triste, as ruas sobem e descem, os cães têm dono, mas andam livres na rua, farejam o frio e protegem-se do calor de papo para o ar.
Há menos crianças do que avós, tenho a vaga ideia das serrações de madeira e do vinho que aquece e protege espíritos e corações da dureza das vindimas.
Recordo com nitidez a Serra de Montemuro e o Paiva, decerto que os miúdos aprenderam a nadar e a correr naqueles montes e naquele rio.
5.
Como ser mãe ou pai num momento como este?
Porquê ali?
Que maldição passou por aquelas estradas, pelos corredores daquela escola, por aquelas ruas envelhecidas?
Dois miúdos, dois amigos, duas mortes separadas por semanas.
E uma absurda ausência de respostas.
Em Castro Daire nunca se vira nada assim.
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