1.
A vida não o preparara para encontrar um gigante no elevador.
O miúdo achava que seria capaz de aguentar o impacto de tal encontro, afinal passara por coisas piores e sentia-se imune a qualquer perigo.
Nascera em Bissau e o pai deixara a família para vir trabalhar em Lisboa com a promessa de que chegaria o dia em que lhes mandaria o bilhete de avião.
Geovany Quenda era uma criança e acreditava em tudo o que o pai lhe dizia – e fez bem em fazê-lo pois o senhor Quenda enviou mesmo os bilhetes para ele e a para a irmã se mudarem para Portugal.
Tinha trabalho certo e conseguira arrendar uma casa entre a Amadora e a Damaia, podiam vir à confiança.
2.
Geovany tinha 9 anos e adorava jogar à bola.
Pouco tempo depois de ter chegado foi dar uns toques ao Damaiense e as pessoas ficaram malucas, quem era aquele menino que tratava a bola assim?
Um ex-jogador que cheguei a ver jogar no Vitória de Guimarães, o médio Basaúla, trabalhava no Damaiense e comprometeu-se logo a tomar conta da criança.
A tomar conta literalmente por que o pai, o senhor Quenda, teve de ir trabalhar para França durante uns meses.
3.
Não duvides que o menino Geovany, antes de ser conhecido dos portugueses, teve de passar por muito.
Do Damaiense foi para o Benfica e saiu do glorioso por não lhe terem permitido que tivesse um quartinho no Seixal pois estavam todos ocupados por outros miúdos.
O Sporting aproveitou e o Benfica, que voltara atrás na decisão, perdeu o pequeno Quenda.
A história a seguir é conhecida.
Seleções jovens de Portugal, equipa principal do Sporting onde começou a jogar a titular, convocação para a seleção principal e tubarões europeus à espreita.
4.
O pequeno Quenda, apenas 17 anos de idade, estava preparado para tudo.
Para jogar em ambientes escaldantes, para aguentar bocas do público, jogos com pressão e ralhetes de treinadores.
Só não estava preparado para aquela manhã em que o elevador se abriu e um gigante entrou.
O pequeno nunca o vira ao vivo.
Era maior do que imaginava.
Estava perfumado, trazia um sorriso na cara e cumprimentou-o.
“Então, jogador?”
Geovany Quenda tentou que as palavras saíssem, mas ficaram-lhe presas na garganta, é bem capaz de ter sentido que nunca mais conseguiria falar.
O gigante riu então à gargalhada e colocou-o à vontade.
“Vês, eu conheço-te e tu não. Tu és o Geovany Quenda e eu apresento-me agora, chamo-me Cristiano Ronaldo e vou jogar na tua equipa”.
Texto e programa de Luís Osório
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