1.
Já não sei se a minha mãe faria hoje 76 ou 77.
Sei que morreu com 58 anos.
Era jovem, mas um bocadinho triste.
Foi a mulher mais bonita que conheci e nunca a vi ou verei envelhecer.
Quando fecho os olhos, é nova que me aparece. Passeamos os dois pelas ruas da minha infância, tenho-a na mão e vou sossegadinho. Nunca lhe peço nada e nunca me apetece nada.
Vejo meninos ricos em esplanadas.
Comem torradas e duchaises com fios de ovos e chantilly branquinho, mas não têm a mãe que eu tenho, sempre tão orgulhosa de me ter por perto.
2.
Faria hoje anos.
Vou cantar-lhe os parabéns quando todos se forem deitar.
Recordo-a no dia em que morreu.
Já não estava cá quando me disseram que já não estava cá.
Foi a última vez que chorei a sério.
3.
Nunca a verei velha.
Partiu quase com a idade que hoje tenho.
Não sei onde arrumar a imagem de que pareço mais velho que a minha própria mãe – de que, se as coisas correrem bem, parecerei o pai da mulher de que me lembro.
Parecerei o pai e já não serei o filho.
E quero continuar a sê-lo, a parecer mais novo do que ela.
Por isso, apago a sua imagem final.
Só quero a mãe mais nova, a que me segurava na mão e me levava a ver filmes de cowboys no Cinema Europa, a que me dizia que eu era muito bonito, que era o seu príncipe…
…eu não acreditava nisso.
As miúdas não me achavam nada de especial.
A mãe, sim.
Achava-me o mais bonito do mundo e indignava-se com o mau gosto das raparigas, pirosas e pindéricas… ao contrário de mim.
Comprava-me creminhos para a cara e para o corpo.
Punha-me Vic quando a febre me batia à porta.
Encomendava enciclopédias para que eu não me perdesse.
A minha mãe.
A minha querida mãe.
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