1.
Cara Matilde
Tenho uma enorme admiração pelo seu marido o que será tudo menos novidade para si.
Não que me conheça de algum lado, nunca falámos uma palavra ou estivemos no mesmo lugar ao mesmo tempo, mas o difícil é encontrar um português que não admire José Mourinho – mesmo os que agora o detestam por ir para um rival, reconhecem o quanto fez por este nosso país estranhamente extraordinário.
O que me impressiona no “especial” que tem em casa nem são as vitórias e conquistas.
É outra coisa, Matilde.
É muito mais a maneira como desembarcou em Londres e olhou o mundo nos olhos, olhou o mundo como se fosse um igual, como se fosse poderoso antes de o ser, como se não se importasse de exercer o seu poder, o seu fascínio, a predestinação de vencedor.
Como se ser português pudesse ser isso.
Eu que cresci na ideia de que éramos pequeninos, que tínhamos de comportar-nos na sala dos grandes e usar bem os talheres, que devíamos fazer o nosso trabalho e só falar se nos pedissem.
2.
Estou a desviar-me, Matilde, quero falar de si.
E para si.
Dizer-lhe, muito sinceramente, que é impressionante e rara.
Não imagino o que é viver ao lado de alguém tão mediático, só posso especular.
Viver ao lado de quem cobiça o olhar dos outros, de quem é perseguido por câmaras e pessoas que o amam ou odeiam, de gente cheia de generosidade e rebentada de inveja.
Como é possível ser tão discreta quando o mundo a condenava à partida a não o poder ser?
Como foi possível que, tendo uma personalidade forte – é o que me juram – se tenha sempre mantido na sombra, sem qualquer vontade de aparecer, de ser vista, de receber atenções?
3.
Conheço de muita gente, Matilde.
Sei muito bem a coragem necessária para sobreviver a isto. Talvez as pessoas comuns não imaginem o que é viver anos e anos nisto – a ler o que se publica, as especulações, as tentações, o poder da imagem, do dinheiro, do sucesso em permanência.
4.
A Matilde, que namora desde os 17 anos com José Mourinho, que casou há quase 40 anos num dia bonito em Setúbal…
… a Matilde que tem dois filhos, a sua menina já casada e uma mulher de sucesso, e o João Mário que é da bola como o pai, a Matilde que nasceu em Angola, num país em que o mundo se perdia de tão grande e tudo se relativizava
… por tudo isto, é a pessoa que gostava de conhecer.
Por ser admiravelmente contra a lógica do mundo.
Por ter sempre preferido a profundidade à superfície.
Por ter influenciado um dos melhores treinadores da história sem que ninguém de fora do seu círculo a conheça um pouco que seja.
José tem o seu nome tatuado.
Tami.
A mulher da sua vida desde os 17 – quando o mundo ainda não sabia que José era “special” e a Tami, tendo disso a convicção, não imaginaria que construiria com aquele aspirante a universitário, todos os sonhos guardados na lâmpada de Aladino.
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