1.
Aconteça o que acontecer toda a gente associará os Globos de Ouro aos mamilos de Ana Moura.
O mundo pula e avança a uma tal velocidade que eu próprio tenho dificuldade em encontrar o ritmo certo.
E entre nós me confesso: acreditava que seria imune a qualquer tipo de evolução.
Repara, sou filho de um homossexual.
Fui criado por duas tias homossexuais… durante a infância e princípio da adolescência poucos foram os fins de semana em que não tivesse dormido em casa das minhas queridas Cristina e Teresa.
Sou absolutamente convicto na defesa da igualdade e no combate contra qualquer tipo de discriminação.
Estou ferozmente do lado das mulheres pelo direito de serem tudo o que entenderem ser.
Então como posso vacilar com pessoas que justamente decidiram ser diferentes e fazer coisas diferentes?
2.
Talvez esteja a ficar velho.
Mas quando leio a notícia de que um rapaz não o aceita ser por se sentir um lobo.
Quando há miúdos que acreditam ser gatos ou cães.
Quando defensores do clima atingem a Mona Lisa ou escarrapacham frases de ordem no Castelo de São Jorge.
Ou quando Ana Moura decide provocar a discussão com a sua transparência, concluo uma de duas coisas: envelheci prematuramente ou o mundo enlouqueceu.
3.
Nada me move contra o vestido de Ana Moura. Está no seu direito.
O que me choca não é o seu corpo e ainda menos a crueza com que o mostra apesar de ter sido mãe e de ter amamentado. Isso é bonito.
O meu problema é a decisão de o fazer sabendo que iria apagar tudo à volta, que mais nenhum assunto iria ser discutido.
O meu problema foi a sua necessidade de ser falada, talvez de chocar um país que acredita certamente ser preconceituoso.
O meu problema é a maneira como ela renega a Ana Moura anterior, a necessidade de substituir uma personagem por outra.
O meu problema é a opção pela superfície, pelo ruído mediático, pelo choque como substância.
4.
Por estes dias vi as fotografias de Fernanda Montenegro na Elle brasileira.
Quase com 95 anos, posou para o fotógrafo Bob Wolfenson e o resultado é prodigioso.
Sensual, sexy, forte, afirmativa, bonita, poderosa.
Uma mulher extraordinária que me fez pensar na definição do que é isso de ser forte e poderoso.
De que matéria se faz o poder da imagem?
O meu problema não são os mamilos de Ana Moura, mas a forma como defino o que é o poder.
Que em mim nunca está no que se mostra, mas naquilo que se deseja dizer com o que se mostra.
Faz toda a diferença.
Texto e programa de Luís Osório
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