1.
O meu pai adorava o peito do frango.
A avó Alice mandava vir três franguinhos nos dias em que os filhos apareciam de surpresa ou quando não lhe apetecia ir para a cozinha.
Os filhos e eu, claro.
O neto mais velho que foi único durante vários anos.
2.
Pelava-me pelo frango dos Perus, uma das primeiras churrasqueiras de Lisboa. Tinham um sabor diferente do que conhecia e a avó pedia piripiri, coisa de grandes, de adultos, uma maravilha.
O meu pai comia o peito e resto era para mim.
Deliciava-me com as patas que partilhava com o meu tio João, o mais novo dos filhos de Alice.
O pai gostava de peito, mas só comia um.
Nunca tinha fome por se empanturrar de pão com manteiga.
3.
Foram décadas nisto.
Um dia, já com o meu pai doente, fui encontrá-lo sozinho numa esplanada entre os Restauradores e a Praça de Santo Antão.
Sentado a comer um frango.
Os meus olhos não acreditaram no que viram: estava a lambuzar-se com uma pata.
4.
Sentei-me numa mesa protegida para lhe fazer uma surpresa.
Esperei que começasse o peito, mas repousou o garfo e a faca.
O empregado, certamente seu conhecido, perguntou-lhe dizendo o seu nome e tratando-o por tu:
“Zé Manel, não comes o peito?”
O meu pai respondeu-lhe sem hesitações:
“Fiz mal a alguém? Embuchava-me para o resto da vida. Já me basta ter de o comer quando o meu filho vai jantar a casa”.
Levantei-me e saí sem lhe dizer nada.
Para mim fora a mais bonita prova de amor.
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