1.
O Ruizinho é coveiro em Rio Tinto e cantor popular nas horas vagas.
Há dois anos estava desempregado e concorreu a dois concursos na Junta de Freguesia. Candidatou-se também a um terceiro para o caso de não conseguir emprego como cantoneiro ou picheleiro.
Casado e com filhos, o Ruizinho não pôde hesitar quando o informaram que fora apenas admitido como coveiro.
2.
Com espírito positivo, sempre com um sorriso nos lábios, lá foi para o seu primeiro dia de trabalho.
A família mostrou-lhe gratidão pelo sacrifício e ele saiu numa manhã fria para o lugar de trabalho, o cemitério de Rio Tinto que precisava urgentemente de mais mãos por ter sido ampliado com mais umas dezenas de campas.
O Ruizinho Barros ocupou o seu lugar num cemitério com uma história de mais de 150 anos, um lugar que tem guardado as pessoas de Rio Tinto depois de terem deixado de o ser.
Algumas que foram vizinhas ou amigas do Rui ou da família.
3.
Lá foi e gostou.
Começou logo a abrir as covas com pá e enxada, aprendeu a manobrar as tendas para se abrigar dos dias de chuva, soube o que tinha a saber quando precisa de abrir o caixão e tirar as ossadas ou os restos mortais para um outro lugar.
Prepara tudo para que nada falhe, limpa o que tem a limpar, fala com as famílias por ser um filho da terra e depois, quando a família vira costas, alisa a terra para que tudo fique perfeito.
4.
Na maior parte dos dias está sozinho nas suas tarefas e ensaia as suas canções, compõe-nas a trautear melodias que depois canta nos espetáculos populares nas freguesias à volta.
Toda a gente adora o Ruizinho Barros.
E ele parece gostar de toda a gente, até dos mortos de Rio Tinto a quem faz concertos particulares sem aplausos, mas com um silêncio que o equilibra e satisfaz.
Um dia arrepiou-se todo pois tinha cantado duas canções das suas antes de abrir o caixão para transportar o morto para um jazigo e em vez das ossadas apareceu-lhe o corpo intacto – durante uns tempos não cantou antes de abrir caixões.
5.
Enterra os mortos de dias e canta à noite com bailarinas com tops atrevidos.
Tem um sorriso em permanência e não parece coveiro nem cantor popular que pede palmas em compasso para a enfermeira que lhe dá uma pica enorme a noite toda.
Ou para aquela mulher tão linda que diz que o ama, uma mulher que ele vai querer com champanhe na cama.
6.
Há famílias que lhe pedem para cantar no enterro – há gente para tudo.
Vivos e mortos.
E o Ruizinho de Rio Tinto, impecável e jovem, agradece todos os dias ao presidente da Junta por lhe ter dado a oportunidade de ter um trabalho em que ninguém o chateia.
Nem todos podem dizer o mesmo.