1.
Sinto-me farto, apetece-me ser do contra.
Não me indignar quando exigem que me indigne.
Dizer bem quando todos dizem mal.
Nunca fumei, mas apetece-me fumar até tresandar a nicotina.
Agora até a minha amiga Leonor Sottomayor, mulher forte na Tabaqueira, diz que a indústria está a inventar um mundo sem fumo, um mundo em que se fuma, mas não sai nada que nos faça mal.
Não o façam, por favor.
Quero fumar e que me faça mal se for essa a minha vontade.
Não gosto de beber, mas apetece-me apanhar grandes pifos e insultar os que me olharem de lado a achar que sou um caso perdido.
Quero beber rum, whisky, absinto, gin, medronho e cascarrão do pior.
Gosto de gorduras e de enchidos, mas dizem-me para não comer por causa do coração e do colesterol.
Quero e vou comer orelha, farinheira, chouriço de sangue, toucinho, unha. Quero encher-me com mão de vaca, dobrada, francesinha, alheira.
2.
Dizem-me que tenho de comer pão preto que não me sabe a nada.
Que tenho de correr quando detesto correr.
Que não posso ver bola por me enervar, que não posso dar dois berros aos miúdos porque os vizinhos ainda acham que lhes estou a bater, que não posso dizer a uma mulher ou a um homem que é bonita ou bonito por não ser fixe.
Apetece-me cantar o atirei o pau ao gato, dizer aos meus filhos mais novos que o lobo comeu mesmo a avozinha, ler o Luiz Pacheco e deixar de chamar seniores aos velhos, pessoas de cor aos pretos, extremistas aos fascistas, colaboradores aos trabalhadores, quero que a minha mulher seja a minha mulher, não a minha companheira ou parceira.
Quero ver o E Tudo o Vento Levou sem cortes.
Não me importa que o Kevin Spacey apalpe o rabo dos aspirantes a atores e apetece-me cantar a versão erótica da Abelha Maia.
Quero ser livre, porra!
Estou cansado.
Estou só cansado.
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