1.
Henrique Raposo irrita-me bastante em muito do que escreve.
É culto, mas demasiadamente beato.
Mas sendo beato está do lado dos que legitimam projetos de poder ancorados na procura do sucesso, do enriquecimento e do culto do individualismo liberal.
Parece procurar o ângulo em função das reações que deseja desencadear, da polémica, do incêndio da opinião pública, da obsessão com os seus ódios de estimação.
Gosta de provocar.
De escolher temas fraturantes.
De apontar a alvos que mordem o isco que o alimenta.
Numa época polarizada e maniqueísta pouco ou nada faz para criar pontes de entendimento.
Não é ecuménico.
Diz que gosta do Papa Francisco, e até já o vi em ciclos organizados por jesuítas, mas não acredito muito nisso.
2.
Só que Henrique Raposo não é parecido com ninguém.
Lemos um parágrafo e reconhecemos a sua autoria, a marca identitária no que escreve é forte.
A sua retórica, às vezes quase infantil, outras quase ingénua, é ainda assim única.
Não é um simples detalhe.
Num mundo em que toda a gente se parece com toda a gente, é decisivo que possam existir pessoas que se destacam por serem quem são, por serem únicas.
3.
Henrique é também orgulhoso das suas origens.
Ao contrário de muitos, não esconde que passou por dificuldades, que na infância e juventude morou num bairro social, que a mãe era empregada de limpeza, que a avó não sabia ler.
Parece um pormenor, mas não é um pormenor.
Num tempo em que tanta gente insiste em fazer liftings ao passado, é respeitável quando alguém assume o peso do que leva às costas, o seu peso de alma.
E para o Henrique Raposo, que optou por estar próximo dos lugares habitados por gente bem-nascida, ainda tem mais mérito.
4.
O que pretendo dizer com tudo isto?
Que podemos valorizar o caminho de quem não pensa como nós.
Que a verdade, ou o sofrimento, ou a inteligência, não são um exclusivo das pessoas de quem gostamos ou de nós próprios se tivermos o ego insuflado.
Que a vida é um exercício de humildade e de respeito pela diversidade.
Não gosto nada de o ler.
Mas gosto muito da ideia de que ele existe e pode ser lido.
E estamos cá para o confronto.
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