Vídeo – YouTube: Inês, a mulher que mais prostitutas tirou da rua
1.
Passou os oitenta anos e há qualquer coisa nela que não bate certo.
É como se a idade que tem não correspondesse à sua eterna vontade de mudar o mundo, de mudar a vida das pessoas, de fazer a sua parte.
Inês Fontinha está sempre a correr, mesmo que as suas pernas já não sejam capazes de correr.
Os seus olhos são inquietos, a sua voz firme e impositiva quando os assuntos têm a ver com tudo o que viu, com o sofrimento de tantas mulheres que lhe passaram pelas mãos, de tantas prostitutas que o deixaram de ser por ela lhes ter oferecido a hipótese de uma outra narrativa.
2.
Não há ninguém como ela.
Poucos se lembram que chegou a ser uma hipótese para Nobel da Paz.
A Inês e a associação que tornou influente. Com “O Ninho” tirou centenas de mulheres da rua. E contribuiu para que passassem a ser vistas de uma outra maneira, para que deixassem de ser carne para canhão, carne para o usufruto de homens.
3.
Quando a conheci, há quase trinta anos, a Inês disse-me:
“Luís, não conheço nenhuma prostituta que goste mesmo de o ser. Não conheço nenhuma mulher que goste da ideia de ir com dez ou vinte homens por dia”.
Uma mulher forte.
Madeirense da Calheta e irmã de seis, uma mulher que não foi apenas a que pensou sobre prostituição.
A Inês Fontinha foi para a rua.
Acompanhou as mulheres que lhe pediam ajuda, visitou-as na prisão quando as prendiam, procurou-lhes emprego, foi buscá-las vezes sem conta aos bairros de droga quando consumiam.
A Inês não se limitou a ser a presidente do Ninho.
Ou uma ilustre socióloga e professora universitária.
Ela foi sempre a primeira a ir, a abraçar e a ouvir o que elas tinham para lhe contar, a abaná-las quando era necessário abaná-las, a oferecer-lhes alternativas.
4.
O corpo de Inês Fontinha já não lhe obedece como antes, mas a cabeça continua tão rápida como quando era uma menina acabada de aportar na grande cidade.
Uma Lisboa que lhe determinou o destino no dia em que percebeu que existia uma escravatura escondida numa capa de liberdade.
Que existiam mulheres perdidas, maltratadas, espancadas e corrompidas em troca do dinheiro que precisavam de levar para casa.
Obrigado, Inês.
Minha amiga a quem tanto admiro.
Texto e programa de Luís Osório
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