1.
Só vi Marco Paulo ao vivo uma única vez e não foi há muito tempo. Perto do Natal de 2021 comprei bilhetes para o Campo Pequeno e fui.
A minha ideia era despedir-me.
O cantor não estava nada bem de saúde e jurara a mim próprio que o faria pela minha avó Joaquina.
Era o mínimo.
A avó venerava-o.
E eu venerava e venero tudo o que ela me deixou.
2.
Recordo-a como se fosse hoje a trabalhar na sua máquina Oliva. Fazia soutiens, toda a minha juventude a vi sentada, soutien atrás de soutien, soutiens de todas as cores, de todos os tamanhos e para todos os gostos.
A minha querida Joaquina quase nunca parava.
Trabalhava até chegar a noite e a novela.
E só parava quando na televisão surgia Marco Paulo mais as suas canções.
Não achava piada ao “Eu Tenho Dois Amores”, mas adorava a “Mulher Sentimental”. Não gostava de “Taras e Manias”, mas adorava o “Ninguém Ninguém” ou o “Mais e Mais Amor”.
3.
Marco Paulo está muito doente.
É provável, ele próprio o diz, que um dia destes precise de partir.
E eu quero agradecer-lhe por ter estado.
Por ter cantado as canções que uma parte do país desejou ouvir e fez suas.
Por ter sido do povo mais humilde, das mulheres que o viram como um filho ou como um amante impossível ou apenas como alguém que soube sempre estar próximo, que se ofereceu às pessoas como se lhes pertencesse.
4.
Nessa medida foi sempre mais do que um cantor.
Pertencia ao povo mais humilde, às que trabalhavam de sol a sol, que limpavam as casas dos outros, que cuidavam dos filhos ou aturavam os maridos depois das tascas ou da bola.
Marco Paulo foi sempre o cantor das mulheres que ninguém ouvia, das apelidadas de sopeiras pelas elites, das pouco consideradas, das que ninguém respeitava.
Os seus espetáculos eram bonitos por isso. Por que de repente havia gente que chorava sem que se percebesse de que chorava, gente que o venerava sem que soubéssemos a razão para tão
profunda veneração, mulheres que punham a sua roupa de domingo, a sua roupa por estrear, para o ouvir e, quem sabe, para que notasse a sua presença.
A razão era ele.
Marco Paulo, um homem sem idade que obrigava a minha avó a parar de fazer o que sempre fazia para o ouvir.
O cantor de tantas mulheres que só o tinham a ele, o que não era de mais ninguém, só delas.
Foi por tudo isto que o fui ouvir e aplaudir.
Por ser do povo.
Por se ter oferecido na totalidade.
Por nos ter oferecido tudo o que tinha.
E esse tudo não foi pouco.
Texto e programa de Luís Osório
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