1.
Certamente que lá estarão.
Talvez cheguem no princípio da próxima semana à Póvoa de Varzim, na véspera do início de mais uma edição das Correntes D’Escritas, festival literário de referência em Portugal.
Ou então partirão no próprio dia 19 de fevereiro a tempo de estarem na conferência de abertura.
Maria do Rosário Pedreira e Manuel Alberto Valente estão juntos há vinte anos, se as minhas contas não estiverem erradas foi nas Correntes de 2005 que resolveram juntar os livros e organizar uma biblioteca comum.
2.
Ele convidou-a para beber um café ou um copo de vinho tinto e ofereceu-lhe um livro de poemas.
Ela, que trabalhava na altura com António Mega Ferreira, recebeu-o e é bem possível que tenha ficado rendida aos seus atrevidos versos.
Sim, muitas relações de amor, paixão e amizade começaram nas Correntes, mas nenhuma tão marcante como a deles. Todos os anos, quando passam pelas centenas de pessoas que se juntam num teatro que oferece naqueles dias palavras e ideias e sonhos e cumplicidades, ouve-se o olhar curioso do público e vê-se o que lhes fica travado na garganta:
– Olha, ali vai a Maria do Rosário Pedreira, grande editora, enorme poetisa. E o Manuel Alberto Valente, histórico editor, excelente cronista e poeta.
– Sabes que começaram a namorar aqui? E que desde esses dias de encontro fazem questão de todos os anos tornarem ao lugar do crime?
3.
Um crime sem culpados.
E sem culpa.
Duas das maiores figuras da literatura portuguesa, uma parte da vida a trabalharem para grupos editoriais diferentes, utilizaram (por uma vez) a poesia como pretexto e contrataram uma camioneta de mudanças.
Construíram novas estantes.
E dois escritórios para poderem continuar a respirar sozinhos quando precisam de respirar sozinhos.
Este ano não os vou encontrar, mas se fechar os olhos consigo vê-los a entrar no Cine Teatro Garrett.
Nem sempre lado a lado, mas sempre com a preocupação de saber onde é que o outro está.