1.
Tenho três casamentos e dois divórcios num currículo de que não me orgulho.
Em três momentos da minha vida acreditei que seria para sempre, em dois falhei clamorosamente a previsão ou então, hipótese que me agrada, a eternidade é uma variável que não dominamos.
Aprendemos a viver com os escombros.
De filhos que deixamos de ver todos os dias.
De esperanças que desabam dentro do que somos.
De famílias que fizemos nossas, mas que deixam de ser nossas.
De lugares especiais que nos ferem a vista e passam a ser proibidos.
2.
Falo muito da Zé.
A mãe dos meus filhos mais velhos.
E da Ana.
A mãe dos mais pequenos e com quem estou há muitos anos, mais do que alguma vez estive com alguém que tenha amado.
Falo de amor, amores diferentes.
Falo da dificuldade também, do combate muitas vezes diário, do jogo entre os sorrisos e a melancolia, entre o desespero do que se perde e a enorme felicidade pelo que se ganha.
Falo muito pouco ou nada da Joana.
Com quem casei no dia sete do sete de 2007 para dar sorte – não a tivemos.
Nem sorte nem filhos.
Adoro-a.
E era para sempre também – lembras-te quando estivemos abraçados no funeral da minha mãe?
3.
Não consigo conceber a ideia de parágrafo absoluto.
Quando amamos em algum momento, amamos para sempre – mesmo que seja apenas o amor por uma memória que nos é bonita.
No caso da Joana foi muito mau e foi muito bom.
E é maravilhoso poder dizer que seremos sempre amigos, eternamente amigos.
Uma longuíssima introdução para chegar ao que quero hoje.
Falar do João Maria e do António.
Filhos do primeiro casamento da Joana
Eram meus enteados.
E eu o seu padrasto.
Deixámos de ter contacto, o casamento foi demasiado breve e não houve tempo. A primeira vez que os vi depois da separação chorei bastante. E eles abraçaram-me como se tivesse sido ontem.
Julgo que será sempre ontem.
4.
Sabes do que falo quando te falo dessas palavras que foram desenhadas no nosso alfabeto para parecerem feias.
Padrasto e madrasta.
Áridas, secas, duras, sem empatia.
Padrasto e madrasta.
Não soam bem, foram inventadas para não serem agradáveis.
Eu não fui padrasto daqueles dois miúdos tão bonitos e inteligentes. Também não fui pai e detesto que lhes chamem filhos do coração…
…expressão aterradora de tão pirosa.
5.
Quando temos um enteado – outra palavra horrível – é uma responsabilidade e uma relação de proximidade e que pode e deve ser de carinho e amor.
Vivo com o João e a Leonor, desde que eram crianças.
Não sou pai e não sou padrasto.
E eles não são meus enteados.
Como o João Maria e o António não o foram.
Temos que inventar outra palavra.
Ou deixarmos de usar a que existe – enquanto não resolvemos o problema.
Sou o Luís.
E eles sabem que podem contar comigo.
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