1.
Jerónimo Alves chegou a Lisboa há mais de sessenta anos. Veio com Maria, a sua jovem mulher, e com uma bebé ao colo.
Chegaram à capital e cheiravam a terra e montanha. Vinham de Trás-os-Montes com uma carta de recomendação assinada por um jesuíta, o Padre Evaristo.
2.
Jerónimo dirigiu-se ao Colégio São João de Brito.
Faltavam braços fortes que ajudassem a fazer o que fosse preciso, os jesuítas procuravam que na escola em que mais apostavam existissem pessoas reais e fora da bolha dos privilegiados.
O jovem transmontano ficou a morar numa pequena casa dentro do Colégio e sessenta anos depois não houve quem não chorasse a sua partida.
3.
Apresentei-te o Jerónimo, mas não era assim que foi conhecido por muitas gerações de alunos, professores e padres jesuítas.
O Jerónimo foi sempre o Senhor Alves.
O faz tudo.
O homem generoso que ensinava os alunos sobre o poder das árvores, sobre a grandeza das abelhas, sobre a beleza das vindimas, sobre como tirar as batatas da terra, sobre como regar ou podar.
Sujava as crianças da creche com terra e lama.
Ensinava os alunos da primária a festejar o Dia da Romã.
E aos outros o valor da paixão…
… até na forma como tratamos as plantas, as frutas e as árvores, a paixão pode fazer a diferença.
Mas fazia mais, fazia tudo o que fosse preciso ou lhe pedissem.
Protegia os mais pequenos dos maiores.
Separava chatices e dava “calduços” amigáveis a quem assustava as abelhas.
4.
O Senhor Alves esteve muito doente no último ano. No final de dezembro, no último dia de aulas, sabia que não iria voltar.
Pediu então para se despedir de uma turma.
Qual, perguntou o diretor.
– Quero despedir-me dos mais puros, dos meninos da pré-primária.
5.
Era hora do almoço e as crianças estavam no refeitório.
O Senhor Alves foi recebido em festa, mas pediu silêncio. Disse-lhe que iria viajar, mas que os veria a crescer e que estavam no bom caminho no melhor lugar onde poderiam estar.
O Senhor Alves morreu e eu quis muito contar-te um bocadinho da sua extraordinária sua vida.
Há 60 anos chegou a Lisboa com uma carta de recomendação e tornou a sua vida importante para milhares de pessoas que agora se despediram com lágrimas.
E no dia a seguir a ter morrido, o São João de Brito, escola de jesuítas, substituiu uma enorme imagem da visita do Papa Francisco ao colégio por uma enorme fotografia do Senhor Alves.
Não me ocorre uma homenagem que fosse mais bonita.
Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, YouTube e RTP Play.