1.
Deixei passar uns dias pela polémica que agitou o país, mas volto ao deputado das malas por o tema ser importante e ter ângulos que não foram devidamente discutidos.
É certo que não há palavras que possam definir Miguel Arruda ou aligeirar o seu imprestável caráter.
De repente, o homem que vimos à porta de uma prisão a fazer campanha para que se alargasse o espaço em nome da necessidade de agrilhoar a escumalha, é o mesmo que andava a “gamar” malas no aeroporto.
De repente, o deputado que mais gritava contra socialistas, comunas e “bichas”, é o mesmo que depois de ser humilhado pelo país diz não se importar de voltar a ocupar o seu lugar como parlamentar – que gigantesco estômago o homem deve ter!
De repente, o tipo que trocava mensagens com skinheads nas redes sociais e enchia a boca com as saudades de Salazar, é precisamente o mesmo que levava as malas desviadas para o parlamento.
De repente, o partido que deseja limpar o país de ladrões é o mesmo que no seu círculo mais restrito tem tipos assim – digo-o no plural porque nove dos 50 deputados já tiveram processos em tribunal, para não falar do líder do Chega de Aveiro condenado por violência doméstica e de um outro candidato autárquico apanhado aos tiros contra uma família de estrangeiros.
2.
Não querendo menorizar nenhum destes pormenores, aliás impossíveis de menorizar, quero destacar uma outra questão.
E esta é sobre nós, sobre uma parte de nós.
Somos implacáveis contra os pobres diabos e condescendentes com os ladrões com pedigree.
Os casos que envolvem milhões, que lançam suspeitas sérias de corrupção financeira, que envolvem pessoas bem-nascidas, bem-vestidas, bem-cheirosas, com pose e estatuto, quase passam pela chuva. Indignamo-nos, mas não há comparação com o que nos indignamos quando nos surge uma criatura assim como Miguel Arruda, que não fica bem em salão nenhum, que é desagradável à vista, que nos fere os ouvidos e que não passa de um indigente moral.
Até a roubar os miseráveis são mais atacados do que os que “gamam” com elegância.