1.
Tenho 53 anos e descobri que sou conservador.
Ainda não marquei consulta no psicanalista, ainda não telefonei a uma amiga que faz regressões e cura pela hipnose, talvez ainda não tenha lido os livros certos ou descoberto os filmes que me podem salvar do abismo de me ter tornado reacionário.
2.
Sempre abominei a frase “no meu tempo é que era”. Além de tudo o que convoca é falso que assim seja.
Sempre tentei estar ao lado do que se faz de novo, dos que tentam descobrir caminhos originais, novos géneros, novas palavras, novos futuros.
3.
Vivo num tempo em que tudo parece estar a acontecer. Deveria estar feliz com isso, expectante pelo dia de amanhã, ansioso por aquilo que não imagino no novo mundo que nascerá a partir da Inteligência Artificial.
Mas não.
Estou acabrunhado, derrotado, molestado.
Há uma revolução em curso, um novo mundo a nascer, talvez um novo fascismo, sem democracia, sem a liberdade de um pensamento divergente e não há vislumbre de uma reação coletiva, de um assomo de indignação dos que têm bom senso, dos que não são radicais, dos realmente tolerantes – olhamos para o lado e para o outro e vemos malucos, ressentidos e intolerantes que ocupam espaço e nos deprimem.
Ter bom senso é um ato revolucionário.
Talvez ser conservador também o seja.
4.
Não falo apenas da política ou da sociedade.
Falo da cultura, das artes de massas, daquilo que tantos jovens leem, veem e ouvem.
Acabo de passar por uma escola com miúdos de 12 e 13 anos que dançam funk brasileiro no recreio.
O que cantam tem sexo, consumo de droga e violência gratuita, mas dançam como se fosse procura da felicidade o que ouvem, como se fosse vida e não morte, como se fosse luz e não escuridão…
…dançam como se não fosse rasca, como se não fosse absolutamente rasca, como se não fosse uma liberdade que engana, que faz perder, que é uma favela a céu aberto dentro dos corpos.
Uma favela que nos contamina de uma pobreza ainda pior do que a pobreza que nos esgana de fome e sede.
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