Um pai e um filho aventuram-se, em kayaks insufláveis pelas águas do estreito de Magalhães, perto de Punta Arenas.
O pai é um anestesista de 49 anos, amante de desportos náuticos. Desafiara o filho Adrian Simancas, músico venezuelano de 24 anos, para uma incursão pela baía de El Águilla, nas proximidades do farol de San Isidro, o mais a sul do continente. Levava equipamento para filmar as peripécias da jornada. E por isso pôde filmar o instante em que uma baleia-jubarte irrompeu da fundura do mar, com as suas barbatanas abertas ao desejo de ser asa. Não valeram de nada ao pai as competências de anestesista quando reparou que filmava o preciso momento em que a baleia jubarte, também conhecida como baleia-cantora, engolia o seu filho músico, a grande boca aberta sorvendo o ar do mundo e o seu filho Adrian. Encontrei as imagens e a história na edição digital da Voz da Galiza, os demorados instantes de uma dor sem remissão. Mas logo o filho emerge das águas, como um novo Jonas cuspido do grande cavername de barbatanas que aspiram a ser asas. A história acaba bem, pai, filho e baleia encalhados no noticiário, retomando na ilusão de óptica o relato bíblico.
Desta vez, Jonas não é vomitado na praia pelo “grande peixe”, por ordem de um Deus castigador que pretende o arrependimento de Nínive. A cidade à beira do Tigre é agora a Mossul tão devastada em nome de tantos profetas. Uso a imagem como um sublinhado: Mossul foi no passado conhecida, justamente, como “cidade dos profetas”.
Pode a notícia de final feliz, um grande susto com final feliz, levar-nos ao Livro de Jonas do Antigo Testamento ou a um belo e triste livro de Paul Gadenne, intitulado simplesmente “Baleia” e editado há uns anos pela Antígona. Essa baleia encalhada na praia, que se transforma num destino de curiosidade mórbida dos habitantes do lugar, é a metáfora do nosso mundo em decomposição.
Pode a notícia levar-nos ao filme de Alan Tanner que nos confronta com a sorte dos grandes perdedores, o filme onde alguém alvitra que a verdadeira felicidade é perder tudo, onde a baleia da história vomita a morte das utopias.
O Jonas desta notícia, o que afinal não foi vomitado pela baleia-jubarte, há dias no estreito de Magalhães, tem agora os quase vinte e cinco vaticinados pelo grande cineasta suiço. O pai anestesista passou, talvez sem dor, pela dobra do século com os vinte e cinco que o filho tem agora. Possamos escutar, nos próximos vinte e cinco, ciclicamente, o magnífico, sumptuoso, cântico das baleias-jubarte.