1.
Quase tudo se disse sobre Jane Goodall.
Gastaram-se os adjetivos.
Os elogios.
Os discursos.
A esperança de que os seus ideais não tenham viajado com ela.
Volto a passar os olhos pelos jornais do dia a seguir à sua morte.
“Morreu a mãe dos chimpanzés”, escreveu o JN.
“A mulher que mudou a visão sobre nós mesmos”, disse a BBC.
“Morreu a maior ativista do nosso tempo”, titulou o Público.
“A mulher que inspirou o mundo”, para o Guardian
“A que nos ensinou a olhar”, plasmou o New York Times
“A cientista que a partir dos chimpanzés redefiniu o ser humano”, escreveu o El País.
2.
Um dia, depois de licenciada, perdeu-se na selva e nunca mais regressou.
Misturou-se com os chimpanzés e, na observação a que dedicou a sua longa vida, mudou paradigmas científicos e o próprio ser humano.
Essa coisa brutal de quem somos.
Da procura do que nos diferencia… sabendo que antes dela o mundo acreditava que apenas nós tínhamos a capacidade de amar, de fazer a guerra por motivos tribais, de utilizar utensílios ou de preparar funerais.
3.
Jane que adorava ver os filmes de Tarzan, é capaz de te imaginado em criança ser a verdadeira Jane, não sei.
O que sei é de um tapete voador.
O tapete que Jane Goodall ambicionava ter.
O que ela puxava nos sonhos antes de dormir, como se fosse uma personagem das Mil e uma Noites num mundo diferente, com o céu sem nuvens más ou ventos que sopram de um inferno escondido numa morada feita de incompreensíveis palavras.
4.
Jane falava muito desse tapete voador.
Numa das últimas entrevistas, já com 90 anos, sorriu como só ela sabia e respondeu a uma pergunta difícil.
– “Jane, há razões para encontrar otimismo num mundo assim?”
– “Olhe, há razões para continuar a acreditar que existe um tapete voador que me permitirá chegar a mais sítios, um tapete que me transporte rapidamente a todos os lugares onde sou necessária”.
Tenho a certeza absoluta de que o seu tapete parou finalmente à porta do seu último sonho.
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