Concede-me que ajuste auscultadores e por instantes pouse os cotovelos na mesa onde as palavras são iluminadas. Assim poderei sentir o sopro, ainda que ofegante, da minha própria voz respirando, correndo em mim como o frio, o calor, o sangue mais veloz. Do outro lado do vidro, há outras luzes e gente deste ofício que ampara a minha voz e a liga ao mundo, à cidade tomada pelo vento das perguntas.
Outros deste ofício enfrentam os elementos e a astúcia de respostas muitas vezes ensaiadas.
Ainda bem que me faz essa pergunta.
Esses outros são os repórteres, os grandes perguntadores.
Perguntam em meu e em teu nome e em nome de algo por vezes indizível. A pergunta que lançam não é só deles, convoca o segredo mais fundo das perguntas. Idealmente as perguntas que lançam pedem respostas que ainda perguntem. Mas é mais frequente que as respostas fujam das perguntas.
A todo o tempo, nas carruagens do metro, nos autocarros, rostos talvez inexpressivos seguem ecrãs na palma da mão. Desligados do mundo, mergulham numa estranha, porque muitas vezes conectada, solidão. Com frequência, os auscultadores que usam não auscultam, isolam-nos na coriácea relação com o outro.
Não assim os auriculares que os repórteres usam para manterem a ligação à mesa de luzes em que neste momento pouso os cotovelos. Os auriculares dos repórteres não são próteses, são a ferramenta que os liga às outras palavras do mundo, ao sopro por vezes ofegante da sua própria voz respirando à janela do mundo, à janela das perguntas.
O ouvido de um repórter não é apenas o órgão da audição e do equilíbrio. É também o búzio ardente onde ecoam todas as perguntas antes enunciadas. É esse o seu labor. Encontrar a pergunta certeira. Por vezes ofegante.