1.
Preciso de te contar a história de uma menina brasileira que não sei onde está.
Não sei se ficou em Portugal, se regressou a Minas Gerais, terra da família, dos pais e dos dois irmãos que procuraram aqui um lugar onde pudessem criar raízes.
A Karen é uma menina pré-adolescente.
Quando soube dela, em meados de 2022, tinha dificuldade em compreender tudo o que lhe dizíamos – habituara-se a uma língua feita de açúcar, mas tentava compensar a falta de entendimento com os seus olhos sorridentes.
Era a sua resposta, a sua defesa.
Um sorriso tímido e desarmante.
2.
Não sei onde está a Karen.
Sei que morava em Maceira, freguesia de Leiria.
Sei que frequentava a Escola Básica e Secundária Henrique Sommer e mais algumas coisas que me foram contadas por Sofia Francisco, professora idealista, sonhadora e amada pelos seus alunos.
3.
Na Vila de Maceira, terra de trabalho dominada pela indústria do cimento, a menina do sorriso demorou um bocadinho a adaptar-se.
Estava sempre no seu cantinho.
Sempre em modo de espera – de entendimento, de novos amigos que a viessem abraçar, de novas palavras que pudesse aprender.
Uma manhã, na aula de Inglês, pareceu triste.
Mais silenciosa do que nos outros dias por lhe faltar o sorriso.
A professora de inglês perguntou-lhe no final o que se passava. Se a podia ajudar em alguma coisa, se tinha saudades do seu país, dos seus amigos, da antiga escola.
Karen abraçou a professora Sofia e soprou-lhe ao ouvido que não era nada disso. Sentia apenas a falta das suas panelinhas.
Que panelinhas, perguntou-lhe Sofia.
Das minhas panelinhas, do meu fogão, dos meus pratinhos, da minha cozinha de brincadeira, respondeu-lhe a menina.
A mala dos pais não era grande o suficiente para carregar os brinquedos das crianças… talvez nunca seja.
A deles e a nossa.
4.
No dia a seguir, a professora Sofia levou-lhe uma cozinha novinha em folha e a Karen emocionou-se.
Agora não sei onde está.
Se tornou ao Brasil, se continua por cá, se na mala que voltou a ser feita pelos pais couberam ou não as panelinhas.
Mas sei que, demasiadas vezes, nos esquecemos destas histórias que, na vida das pessoas, na vida das nossas crianças, têm tanta ou mais importância do que a maioria das notícias que ouvimos e lemos de manhã à noite.
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