Ainda era escuro na manhã, perguntei à Oriana Barcelos, uma das madrugadoras desta rádio, se tinha saudades da Canada dos Melancólicos. E ela pôs-se a desfiar nomes de canadas da sua Angra, começando pela dos Diabretes. A conversa espraiou-se pela Canada dos Capins e, num ai, levei as saudades por uma canada para os lados de São Mateus, com o fito numas lapas que eu cá sei.
Por volta das cinco e meia fui à janela e não vi a estrela Sirius. Depois perdi-me no céu do ecrã e encontrei no sítio da rádio Vidigueira noticia de uma acção agendada para logo, ao fim da tarde, pelo município de Moura. Trata-se da iniciativa “Ruas que Falam” que continua a interpretar a toponímia da cidade das atalaias e da moura Salúquia. Na tarde de hoje, a câmara de Moura leva os interessados a percorrer a zona da Porta Nova, revelando segredos mais ou menos bem guardados nas cercanias das muralhas medievais.
Há tanto a descobrir, seguindo os nomes das ruas. No caso de Moura, basta que nos deixemos ir, olhos abertos, curiosidade alevantada. Na rua das Terçarias, talvez alguém nos inicie na lenda associada a uma caução, a um penhor, envolvendo duas mulheres poderosas – Beatriz, mãe de D. Manuel, e Isabel, rainha de Castela, cada uma guardando como garantia de um rascunho para o futuro tratado de paz de Alcáçovas, o filho da outra. E vai pela Torre do Relógio, pela Fonte das Três Bicas, pelas ruínas do convento das freiras dominicanas, pelas termas. E pergunta pela rua dos Espingardeiros, pela dos Carmelitas, pela Rua Primeira do Sete e Meio, pela do Escalatrim, pela da Igualdade. Dá a volta ao largo da Capa Rota. Se te cansares, senta-te no Jardim dos Mal Encarados.
Mas guarda tempo para o ritual da mesa na Taberna do Liberato, onde já fiz com bons compinchas uma inesquecível emissão de rádio durante a qual, Jorge, o anfitrião, explicou como foi eleito bastonário da Ordem dos Taberneiros.
Entre duas lascas de presunto e um brinde ao grande Mário Zambujal que aqui nasceu, saúdo a iniciativa da autarquia de Moura. Tantos são os que nada sabem, e muitos não cuidam de saber, sobre as origens do nome da rua onde vivem.
Lembro-me de, há muito tempo, em Vila de Frades, junto à casa onde nasceu o escritor Fialho de Almeida, ter ficado preso ao nome da rua mais próxima, rua do Pensamento. Uma pequena rua de casas baixas e alto nome. Cheguei a bater a algumas portas, cuidando que haveria de colher de algum morador, não digo uma explicação cabal, mas um doce desvario, um verso repentista, um pensamento escapando-se em sorriso largo. Mas não, ninguém sabia. Dá que pensar.