1.
Em criança, num prédio de Campo de Ourique, conhecia todos os meus vizinhos.
A Ana do rés-do chão, a Dona Fernanda ao lado de nós, a Germana do segundo andar e a nossa inquilina Maria que dormia num quartinho independente, mas cozinhava na nossa cozinha e usava a nossa casa de banho.
A Fernanda, a única a quem chamava Dona, ia ver televisão para o quarto da minha avó Joaquina logo a seguir ao jantar – com a Maria e a avó Joaquina víamos a novela numa RTP que era única.
2.
Não era apenas a salsa que circulava entre as casas.
Era um bocadinho de carne e mortadela se o dinheiro não chegasse até ao fim do mês.
Era leite, pão, companhia e conversa de vão de escada.
Agora que o penso, e acredita que nunca antes me ocorrera, não havia homens no prédio da minha juventude.
Só eu.
Pequena amostra de homem ainda.
A tratar as senhoras pobres como a minha família paterna me ensinava, com delicadeza, às vezes a beijar-lhes as mãos, o que as deliciava.
Ia à mercearia com as vizinhas.
Em alguns domingos acompanhava-as à missa.
E ia brincar para casa da Dona Fernanda com um cágado a quem chamava Roberto.
Os vizinhos eram família, um prolongamento dela.
3.
Tenho saudades desse tempo, mas talvez não seja possível regressar a esse tempo.
Não conheço o nome dos meus vizinhos – e quando tentei inverter a lógica um deles olhou-me desconfiado.
Ninguém bate à porta para ver a bola ou a novela.
Nem os miúdos se conhecem, estamos todos protegidos na nossa solidão disfarçada de segurança.
Detestamos o cheiro a comida e antes o cheiro da comida era a prova de que estávamos acompanhados.
Não queremos a roupa a pingar do vizinho de cima. Não trocamos roupinhas de criança, não damos as chaves de casa para que alguém nos regue as plantas.
Não conheço a casa de nenhum dos meus vizinhos e nenhum deles entrou na minha.
Não sei se algum está doente, se precisa de desabafar, se tem sopa para o jantar ou se gosta de laranjas que comprei numa loja especial com produtos que vêm diretamente da terra.
4.
Não sabemos e não desejamos saber.
Se alguém me tocar à porta não farei o meu melhor sorriso.
E isso não é bonito e não me orgulha, mas eis uma coisa boa para tentar mudar em 2025.