Nascido na Póvoa de Atalaia, no Fundão, a 19 de janeiro de 1923, Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, era filho de camponeses e, após a separação dos pais, passou a infância na companhia da mãe. Em 1932 muda-se para Lisboa com a mãe, “figura crucial na sua vida e poética”, tendo aí frequentado o Liceu Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro, embora não concluindo o curso secundário. Nessa cidade, onde passará toda a adolescência, descobre a sua vocação literária e convive com alguns escritores e poetas. Em 1935 mostrava já interesse pela leitura, passando horas nas bibliotecas públicas. Em 1939 publica o seu primeiro poema, Narciso, após incentivo do poeta António Botto, que lhe dá a conhecer a obra de Fernando Pessoa, fundamental para a sua afirmação individual numa direção oposta (naquilo em que a poética pessoana se distancia da exaltação do sensualismo). Mas também teve numa fase inicial Camilo Pessanha como mestre.
Após cumprir o serviço militar em Coimbra, ingressa em 1947 no funcionalismo público, fixando residência no Porto em 1950, onde começou a trabalhar como inspetor dos serviços médico-sociais. No início dos anos 40 havia publicado, já sob pseudónimo, dois primeiros livros que viria a renegar. Mas foi a partir do terceiro, As Mãos e os Frutos (1948), que mereceu elogios da crítica e a que se seguiu Os Amantes sem Dinheiro (1950), que começou a conquistar fama de grande poeta. Paralelamente ao cargo público, e já depois da reforma, Eugénio de Andrade publicou mais de 20 livros de poesia, além de obras em prosa, antologias, livros para crianças e traduções.
Apesar de contemporâneo dos movimentos neorrealista e surrealista, quase não sofre influência de quaisquer escolas literárias, mantendo sempre uma atitude de independência relativamente aos vários movimentos literários com que a sua obra coexistiu ao longo de mais de 50 anos de atividade literária. Embora tenha privado com os grandes nomes da literatura portuguesa, quer da sua geração como das seguintes – foi amigo íntimo de poetas de estéticas muito diversas, como Sophia de Mello Breyner, Mário Cesariny ou Luís Miguel Nava, assim como de críticos consagrados como Óscar Lopes, António José Saraiva, João Gaspar Simões, Fernando Pinto do Amaral ou Arnaldo Saraiva –, Eugénio de Andrade levou uma vida reservada, distante da agitação social e com poucas aparições públicas.
Caracterizado pela musicalidade, o rigor lapidar e a aguda consciência de que a poesia é um ofício de artesão, o seu trabalho poético tem como principal encanto a capacidade de “suscitar uma emoção tão viva que provém em grande medida da sua extraordinária harmonia”, uma espécie de “aliança primogénita entre a palavra e a música”. Eugénio de Andrade insere-se pois na tradição dos poetas artesãos, estatuto que reivindica para si mesmo. Um núcleo restrito de obsessões enforma o seu universo poético, reiterações essas que o poeta resume nestas palavras incluídas em Rosto Precário: “fluir do tempo num jogo de luzes e sombra; a ascensão e declínio de Eros, que não pode reduzir-se meramente à sexualidade; a descoberta do próprio rosto, entre os muitos que nos impõem; a dignificação do homem, num mundo mais empenhado em negar-lhe o corpo do que em negar-lhe a alma – preocupações maiores, ao que parece, da minha poesia, sem esquecer a face acolhedora e materna extensiva a tanta imagem de vida instintivamente feliz e aberta”.
Um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, com uma extensa obra traduzida para mais de 20 línguas, Eugénio de Andrade é autor de uma “poesia intemporal, embora inscrita na tradição lírica portuguesa, centrando-se em figuras como a mãe, a criança, o pastor, o criador ou o amante, e que celebra o corpo e os sentidos e propicia o convívio com o mundo natural”. No entanto, para lá da poesia, o escritor foi igualmente um notável prosador, tendo publicado três livros em prosa: Rosto Precário (1979), Os Afluentes do Silêncio (1968) e À Sombra da Memória (1993). No primeiro, para além da expressão poética, incluiu um conjunto de entrevistas apuradamente reescritas, tendo nos outros dois integrado textos sobre poetas, prosadores, pintores, escultores, arquitetos, fotógrafos, músicos, cidades e regiões que conheceu bem. O poeta organizou também diversas antologias poéticas, muitas delas de assinalável êxito editorial, como a Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa (1999). E foi agraciado com múltiplos prémios e distinções, entre eles o Prémio Camões, a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, o título de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada ou o de Doutor Honoris Causa da Universidade do Porto.
O seu espólio, constituído por mais de 17 mil livros, mas também manuscritos, desenhos, postais ou fotografias, encontra-se na Casa dos Livros, sede do Centro de Estudos da Cultura em Portugal da Universidade do Porto. No quadro das comemorações do seu centenário, estão previstas diversas iniciativas, destacando-se entre elas, por exemplo, a construção de uma sala de leitura na aldeia do Fundão onde o poeta nasceu, com desenho do arquiteto Álvaro Siza Vieira, ou um Congresso Internacional sobre Eugénio de Andrade que irá decorrer em meados de outubro na Fundação Calouste Gulbenkian.
Texto de Nuno Camacho
No dia em que se assinala o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, a Antena 1 transmite uma reportagem sobre a vida do poeta na cidade do Porto, depois das notícias das 10h00.
Durante vários anos, os amigos procuraram uma casa para o poeta. E encontraram uma casa, na Foz, que foi, também, a sede da Fundação. A morte do poeta, há quase 20 anos, fez extinguir a Fundação e o espólio de Eugénio de Andrade deixou de ter casa.
Uma casa para Eugénio é uma reportagem do jornalista Miguel Bastos, com sonoplastia de Rui Fonseca.