Momentos antes da explosão da bomba Little Boy em Hiroshima, um homem sentou-se nas escadas do banco Sumitomo. Depois da tragédia, um estranho fenómeno fez com que a sua sombra ficasse marcada para sempre naqueles degraus.
Numa visita a Hiroshima, Didier Swysen, argumentista que assina como Alcante, ficou a conhecer esta história e aquela sombra, e foi esse o momento em que começou a pensar na obra que seria A Bomba.
Desde sempre que a banda desenhada tem sido um meio privilegiado para recontar acontecimentos reais e momentos marcantes da História do mundo. Claro que uma parte significativa das obras que lidam com a História têm uma vertente didática, mas outras dão-nos mais do que isso.
É o caso deste livro que a Gradiva lançou recentemente em Portugal. Foi muito premiado no ano passado em França e é uma obra com mais de 400 páginas que entre nós foi dividida em duas partes, e tem argumento de Alcante e Laurent-Frédéric Bollée, e o desenho é de Denis Rodier.
Esta obra conta a história da criação da Bomba Atómica, dos primórdios até às consequências e às vítimas de Hiroshima. Para esta saga trágica sobre um momento perturbante e marcante do século XX não poderia haver melhor narrador: é o próprio urânio que conta a sua história.
A Bomba desenvolve-se como um mosaico de histórias com personagens de todas as facções da II Guerra Mundial. Uma delas é Leó Szilárd, o físico nuclear húngaro que fugiu para os Estados Unidos e que se torna no motor da história, fazendo tudo para que a bomba não seja utilizada. As únicas personagens ficcionais deste livro são os cidadãos anónimos japoneses que seguimos: o soldado, o seu pai e o irmão, que dão um impacto adicional emocional a uma história que, já pelos factos que nos são dados a conhecer, mexe connosco.
O desenho de Denis Rodier é clássico, formal sem ser formatado, que desenvolve com eficácia a narrativa e o cruzamento de tantas personagens e contextos. E, quando a explosão chega, vemo-la em páginas mudas, e o horror cruza-se com a perspetiva americana do bombardeamento. A tragédia de uma nação foi, para alguns burocratas militares, uma vitória para a América. Nestas páginas o chavão aplica-se: as imagens valem mais do que milhares ou milhões de palavras.
A Bomba, editado pela Gradiva, é um bom exemplo de como a BD pode mostrar a História e trazer mais do que uma obra educacional. É um grande livro para compreender um momento fulcral e terrível do século XX e que, como todos sabemos, não deixou, infelizmente, de perder atualidade.
Texto de Rui Alves de Sousa