Para fechar a primeira temporada das Notas No Palco, um episódio diferente, até porque anuncia uma estreia que em breve chegará ao Teatro Capitólio, em Lisboa. No centro das atenções temos um musical que evoca o tempo dos baby boomers, na América dos anos 50, em plena explosão de uma nova cultura juvenil e num contexto social distante dos espaços das elites de então. O musical chegou aos palcos em 1971. Mas fixou definitivamente o seu lugar na cultura popular através de uma adaptação ao cinema sete anos depois. Hoje as Notas no Palco levam-nos até… “Grease”.
O boom de uma cultura juvenil na América dos anos 50, que acompanhou também a explosão do rock’n’roll, sinais de mudanças nos comportamentos, novas linguagens no vestuário e nos cabelos, teve naturais ecos não só na emergente televisão, no cinema, mas também nos palcos do teatro. O cinema musical aqui reagiu depressa, colocando em cartaz filmes como “A Loucura do Rock”, em 1956, com Bill Halley e Little Richard, ou no mesmo ano, “Vamos Dançar o Rock”, aqui com Chuck Berry no elenco. Mais ainda, o cinema chamou a si, durante anos a fio, o próprio Elvis Presley, a mais popular das novas estrelas do rock. É certo que a América urbana dos baby boomers ficou (e muito bem) representada em West Side Story, quando estreou em palco em 1957. Mas a cultura rock e os universos de comportamentos e imagens ao seu redor conheceram na verdade momentos de êxito maior em musicais que chegaram algo depois como, por exemplo, “Hairspray”, “Jersey Boys” ou o “Grease” de que falamos neste episódio.
Grease na verdade é o nome de uma das várias subculturas que emergiram entre estratos mais populares da sociedade urbana norte-americana no pós-guerra. A expressão greaser já vinha do século 19, com uma conotação associada a camadas mais desfavorecidas da população. A sua utilização como identidade de uma nova cultura juvenil chegou já nos anos 50 do século 20 e mantinha a ideia de identificação com o esforço de quem trabalhava em fábricas… Afinal um greaser era aquele que lubrificava as máquinas.
Entre as décadas de 50 e 60, com o rock’n’roll como banda sonora, a cultura greaser ganhou forma entre os Estados Unidos e Canadá, envolvendo comportamentos que facilmente entraram em choque com os padrões morais vigentes. E, claro, envolvendo um guarda roupa que juntava jeans nos rapazes e calças justas e curtas nas raparigas, T-shirts, blusões de cabedal e, no cabelo, brilhantina.
O termo grease é então usado por um musical que nos transporta para a Rydell High School, uma escola ficcional algures em Chicago, em finais dos anos 50. Rebeldia, sexualidade, a delinquência ou a gravidez juvenil são temas que correm nas entrelinhas de uma história que se foca num romance que se desenrola com este contexto cultural e social como cenário…
Viajamos assim no tempo até este liceu em finais dos 50s. E ali encontramos desde logo dois grupos: as pink ladies e os Burger palace boys. É então que conhecemos os protagonistas e as suas histórias vividas até então. Ela chama-se Sandy Dumbrowski, cuja matrícula tinha sido recusada por uma outra escola e voltava de umas férias marcadas por uma paixão de verão. Ele é Danny Zuko e está a contar aos amigos os feitos do seu romance de verão… E mal imaginavam que ambos estavam agora ali, no mesmo local, à mesma hora… E do choque entre a realidade e a imagem do que, sobretudo ele, quis projetar, nasce o primeiro capítulo de uma história que inclui encontros num parque, noites em casa a ouvir música na rádio, um baile, amores e traições e gangues…
“Grease”, com canções e texto de Jim Jacobs e Warren Casey, teve estreia num clube noturno sobretudo dedicados aos universos do blues, o Kingston Mines, em Chicago, em fevereiro de 1971 e desde logo com boa bilheteira. A primeira produção na Broadway em 1972, onde se manteve em cena por 3388 representações até 1980, o que na época correspondeu a um recorde.
Por essa altura já tinha também dado que falar a adaptação ao cinema por Randal Kleiser, com John Travolta e Olivia Newton John, que então também bateu recordes como o filme musical de maior sucesso até então, gerando uma banda sonora que correspondeu ao segundo álbum mais vendido do ano nos EUA, na verdade apenas suplantado pelas vendas da banda sonora de “Febre de Sábado à Noite”…
“Grease” foi o segundo sucesso em menos de um ano para John Travolta. Estreado em dezembro de 1977, “A Febre de Sábado à Noite”, de John Badham, tinha levado o ator a vestir a pele de Tony Manero, um italo-americano, empregado de loja, a viver em Nova Iorque, e que à noite se transfigurava como o grande herói na pista de dança. Com ele tinha assim nascido um ícone da cultura pop da segunda metade dos setentas, que ajudaria inclusivamente o disco sound a um patamar de visibilidade global, tornando-se então numa das linguagens mais correntes em terreno mainstream entre 1978 e 1979.
Por seu lado Olivia Newton John, de origem australiana, era já uma figura bem conhecida há já alguns anos. Tinha representado o Reino Unido na Eurovisão em 1974 com “Long Live Love”. E dois anos depois de “Grease” voltou protagonizar um musical, desta vez ao lado do veterano Gene Kelley e com música da Electric Light Orchestra. Chamava-se “Xanadu”.
Mas “Grease” deu a ambos um êxito maior. E se o filme está na memória coletiva, e até gerou uma sequela, “Grease 2”, estreada em 1982, já do musical de palco vale a pena lembrar que já conta com uma carreira bem longa e com grande expressão por várias geografias.
Depois de chegado à Broadway em 1972, o musical conheceu várias produções em Londres, a primeira das quais em 1973. Regressou à Broadway em 1994. Fez digressões nos Estados Unidos em 1994, 1996, 2003 e 2008. Teve revivals em Londres em 1993, 2007 e 2022. Voltou a Chicago, onde tinha nascido, em 2011. E entretanto conheceu produções internacionais na Argentina, México, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Espanha, França ou, claro está, Portugal.
A primeira temporada do Notas No Palco termina agora aqui… Daqui a uns meses estaremos de volta.
Texto e programa de Nuno Galopim
O novo episódio de “Notas no Palco” encontra-se já disponível na plataforma RTP Play. Uma versão com mais texto e mais entrevistas está disponível nas plataformas de streaming Spotify e Apple Podcasts.
Os episódios desta primeira temporada de “Notas no Palco”, com autoria de Nuno Galopim, incluem entrevistas com Joaquim René (diretor dos teatros Variedades e Capitólio), o encenador Paulo Sousa Costa, os atores (e cantores) Fernando Fernandes (FF), Sissi Martins e Mariana Marques Guedes e ainda o crítico de cinema João Lopes.