Ninguém imaginava, a 23 de agosto de 1994, que o disco que então chegava às lojas apresentando na capa o rosto do jovem Jeff Buckley se transformaria em breve num dos casos de dimensão quase mitológica entre os títulos editados nos anos 90. Filho de Tim Buckley (com quem praticamente não teve contacto), Jeff cresceu com o nome do padrasto, ou seja Moorehead, tendo apenas optando por tomar o apelido do pai biológico aquando da morte de Tim, em 1975. Jeff tinha então nove anos. Por essa altura já reagia sobretudo à discoteca do padrasto (onde havia álbuns dos Led Zeppelin, Queen, Pink Floyd ou Jimi Hendrix), acabado a sua inclinação para a música por traduzir também ecos do ADN materno, já que Mary Gilbert não só era pianista como também violoncelista. Integrou o grupo de jazz da escola, aprofundou estudos no Musician’s Institute em Los Angeles e manteve a música entre os ‘biscates’ que ia fazendo ao mesmo tempo que trabalhava num hotel, mais adiante fazendo estrada em várias bandas e cumprindo horas em estúdio se alguém o chamasse. Em 1990, ao mudar-se para Nova Iorque, dá por si ente a rota dos bares com música ao vivo, encontrando poiso frequente no Sin-é, na baixa de Manhattan. Por esses dias alarga um interesse antigo pelo rock progressivo a outras áreas, como os blues. Conhece Nustrat Fateh Ali Khan e, num concerto de tributo ao pai, com curadoria de Hal Wilner, dá por si ao lado do guitarrista Gary Lucas. Entretanto, nos bares, apresenta versões de canções de Nina Simone, Leonard Cohen ou Edith Piaf… No fundo, nestas linhas, acabamos por encontrar as pistas que, de forma natural, o acabam por conduzir a “Grace”.
Gravado entre finais de 1993 e inícios de 1994, sob produção do experiente Andy Wallace, “Grace” confirmava as promessas lançadas pelo EP de estreia “Live At Sin-é” editado no ano anterior, revelando contudo a forma final das canções uma cenografia mais exuberante, todavia ciente do protagonismo que a voz rara e única de Jeff Buckley sugeria. Entre inéditos (alguns criados entre os músicos que então o acompanhavam, como os guitarristas Gary Lucas e Michael Tighe ou o baterista Matt Johnson (não confundir com o timoneiro dos The The), e versões, o álbum traduzia de certa forma uma progressão natural face ao que eram as suas noites, guitarra nas mãos, com pequenas plateias de bar pela frente. Apesar da personalidade demarcada evidente nas suas composições – e canções como “Grace”, “Mojo Pin” ou “Last Goodbye” são exemplos de marcas autorais já bem vincadas, a verdade é que a versão arrepiantemente bela de “Hallelujah” de Leonard Cohen se destacou. Tal como foram notadas as suas leituras para “Lilac Wine” (imortalizada pela voz de Nina Simone) ou “Corpus Christy Carol”, um cântico tradicional, sob arranjo de Benjamin Britten, que Jeff Buckley havia descoberto numa gravação de 1967 de Janet Baker.
Apesar da discreta receção mas desde logo com alguns textos publicados a traduzir entusiasmo, o álbum chegou ao fim de 1994 sendo citado nas listas dos melhores do ano, sobretudo entre publicações de jornalismo musical europeias. A digressão que se seguiu foi amplificando a comunicação, cativando progressivamente mais admiradores. A morte, acidental, quando trabalhava na gravação do sucessor de “Grace” acabaria por representar um outro passo no processo de mitificação do álbum, que acabaria por representar o único título de longa duração editado em vida por Jeff Buckley.
Hoje, reconhecido como uma entre as maiores referências da música dos anos 90, “Grace” é revisitado no mais recente episódio de “Duas Ou Três Coisas”.